A história real na qual o filme Estrelas do Tempo (Hidden Figures, 2016) é baseada, é incrível e merece ser contada. Em plena Guerra Fria, enquanto Estados Unidos e União Soviética disputam a supremacia na corrida espacial, a Nasa reproduz dentro dos seus escritórios e laboratórios a segregação racial da América de 1961.
Existem alas apenas com negros, banheiros para pessoas de cor e até café separado. Funções no alto escalão parecia também algo impossível. Até que um grupo de mulheres negras se mostra essencial para a Nasa.
Como falei no início, sem dúvida, uma história louvável e que merece ser descoberta. Contudo, o tom é extremamente linear e novelesco, sem nunca empolgar. O roteiro centra foco em três desses chamados “computadores” – como eram chamadas as matemáticas e outras profissionais técnicas à época – Katherine Johnson (Taraji P. Henson), Dorothy Vaughn (Octavia Spencer) e Mary Jackson (Janelle Monáe).
E a ordem de hierarquia na importância das personagens dentro do drama é exatamente essa: Katherine como a matemática que procura o número mágico para colocar o primeiro americano no espaço. Dorothy, que sonha com um cargo de supervisora dos “computadores”. E Mary, que tem o objetivo de ser a primeira engenheira negra da Nasa.
Das três, a história mais inspiracional para mim é a da última, e com maior apelo até mesmo cinematográfico, é a que é menos explorada pelo roteiro. Sua história, cena após cena, desenha e redesenha o alto tom de preconceito (dentro e fora da Nasa), afim de provocar no espectador um sentimento de compaixão. No ônibus, nos bebedouros divididos, e até em uma condição dentro da biblioteca o apelo é enorme para a condição social degradante nos EUA daquela época.
Nos 127 minutos do drama histórico dirigido por Theodore Melfi (o mesmo do muito divertido Um Santo Vizinho, 2014), as cenas de explosão em busca dos direitos são mínimas, diante do tamanho da problematização. Temos Katherine com o seu problema de xixi, Dorothy estudando os computadores da IBM escondida e Mary lutando para ser reconhecida, com grandes percalços pela frente.
Kevin Costner (Oscar de filme e direção por Dança com Lobos, 1990) prova que ainda é bom (mesmo com a vergonhosa ação da placa do banheiro), enquanto Jim Parsons (o eterno Sheldon de The Big Bang Theory) e Kirsten Dunst (melhor atriz em Cannes por Melancolia, 2011) estão apáticos em personagens que são meros peões em um roteiro cheio de clichês.
Mahershala Ali – favorito ao prêmio de coadjuvante por “Moonlight”, também indicado Oscar de melhor filme – passa quase despercebido como o militar interessa em Taraji P. Henson (indicada ao Oscar de coadjuvante por O Curioso Caso de Benjamin Button, 2008).
E por falar nela, Henson está confiante e muito bem resolvida como a matemática-mor do trio. Gostei também do balanço da cantora Janelle Monáe na pele da destemida Mary, que traz também algum alívio cômico à obra. Já a vencedora do Oscar de coadjuvante por Histórias Cruzadas (2011), Octavia Spencer repete aqui todos os trejeitos que – de forma equivocada – lhe deram a estatueta em outro filme sobre o racismo americano. Só faltou um certo bolo de chocolate para acompanhar a história.
Longe de ser incrível, Estrelas Além do Tempo é um filme cheio de discursos (e muita trilha sonora para acompanhar) que não é nada mais que um drama ok sobre uma história real maravilhosa.