Jogador Nrº 1 (Ready Player One, 2018) de Steven Spielberg
Não existem boas adaptações cinematográficas de videogames. Nenhuma. Com duas décadas e dezenas de tentativas, orçamentos milionários e diretores e atores de prestígio por trás dos fracassos, já é seguro dizer que existe um padrão universal. Não importa o quanto Hollywood tente fazer essa fonte dar retorno, adaptações de videogames são má notícia.
Tem a ver com uma característica essencial da linguagem dos jogos. Adaptações de livros e quadrinhos acrescentam camadas às suas fontes originais, dando movimento e som a ilustrações ou materializando descrições textuais. Com videogames, o cinema não tem nada a acrescentar, só remover. Filmes baseados em jogos podem aspirar a ser no máximo jogos sem interação. E como as características narrativas que podem ser adaptadas (plot, ambientação, personagens) são geralmente só decentes o suficiente para sustentarem a jogabilidade, não sobra muito material para alimentar um bom filme.
Existem, por outro lado, bons filmes inspirados em videogames. Não em jogos ou franquias estabelecidas, mas no que a mídia tem de mais essencial. Obras que transplantam a linguagem, atitude e estética dos jogos para a mídia audiovisual sem se amarrarem a uma narrativa pré-construída para a jogabilidade. Scott Pilgrim e Tron (os dois) são exemplos, e Jogador Nrº 1 (Ready Player One, 2018) de Steven Spielberg, por uma margem apertada (e um Spielberg de diferença), é outro.
Baseado em um livro bestseller de Ernest Cline, o filme se passa em um futuro distópico onde a humanidade escapa da realidade deprimente acessando uma realidade virtual chamada Oasis. Quando o criador do mundo virtual morre, ele oferece as chaves do reino para quem completar uma série de tarefas.
Jogador Nº 1 soa como uma tentativa de Spielberg de refletir e entrar em paz com seu legado gigantesco na cultura pop. Lotado de referências (o livro original é basicamente uma listagem nostálgica de artefatos culturais dos anos 80 – Spielberg traz alusões mais recentes, até para evitar a auto-referência), o filme tem seu elemento mais explicitamente auto-biográfico na figura de James Halliday (Mark Rylance, Oscar de ator coadjuvante por Ponte dos Espiões), o criador do Oasis. Um gênio que concebeu um paraíso de diversão e escapismo, somente para ver sua criação deturpada e monetizada pelas grandes corporações, Halliday é um personagem parecido com o John Hammond de Jurassic Park, que, vale lembrar, perdeu o caráter de vilão na transposição de livro para filme: um homem-criança que dá ao mundo um parque de dinossauros não poderia ser nada menos que um herói trágico aos olhos de Spielberg.
Com personagens esquecíveis e uma trama padrão, o destaque fica para as formas com que Spielberg consegue usar a caixa de brinquedos da premissa para surpreender o espectador. O auge vem logo no segundo ato, em uma sequência que traduz a cultura de mods e mapas não-oficiais de jogos em uma reconstrução do Hotel Overlook de O Iluminado (1980). Em mãos menos cuidadosas o tsunami de perseguições, tiros e explosões num mundo virtual seria uma receita para um desastre de verão, mas Spielberg consegue encontrar ordem no caos poligonal, ainda que o resultado fique aquém de seus esforços com efeitos práticos em décadas passadas.