Watchmen – O Filme (Watchmen, 2009) de Zack Snyder
O filme: seus protagonistas são heróis mascarados, mas nada de superpoderes.
O Comediante (Jeffrey Dean Morgan), Coruja (Patrick Wilson), Rorschach (Jackie Earle Harley), Júpiter II (Malin Akerman). As exceções são e com exceção o Dr. Manhattan (Billy Crudup), fruto de um acidente da física e Ozymandias (Matthew Goode), conhecido como o homem mais inteligente do mundo.
O grupo de heróis vive numa realidade alternativa (Nixon reeleito três vezes, vitória no Vietnã, JFK é assassinado por…), e, encharcado de críticas sociais e políticas (algumas abertas e outras nas entrelinhas), têm de conviver com a realidade dos novos tempos.
Porque assistir: assinada por Alan Moore e David Gibbons é a única graphic novel a figurar na lista dos 100 maiores livros já publicados da revista Time (desde 1923);
Sempre carregado de violência, os heróis aqui não são bonitinhos, tampouco indicados para crianças. Não espere piadinhas, seu humor cínico (quase tenso) é dotado de um subtexto que varia entre o filosófico, o sócio-político e de conflitos internos;
O visual é assustadoramente belo, reinando sombras, escuridão e cores desbotadas (transpirando realidade). Faz uso de alguma câmera lenta, com imensos cenários de fundo e efeitos especiais sob medida;
O som chega a ser ensurdecedor, e de tão brutal, cada pancada desferida é praticamente sentida no espectador;
Condensar nada menos que 12 volumes de histórias num longa também é admirável, mas traz consigo alguns contras também. Assinado por David Hayter, o mesmo autor de altos (X-Men I e II) e de baixos (O Escorpião Rei), em parceria com o estreante Alex Tse.
Jackie Earle Harley faz estupendamente Rorschach, com sua máscara com imagens mutáveis que o transforma na face do medo alheio. Soberbo nas atitudes (como ele mesmo diz: mesmo diante de um Armageddon), e por mais inconstante e violento que possa parecer, é o mais humano, e o incrível de todo Watchmen. O melhor de todos os personagens.
Melhores momentos: o prólogo, no apartamento do Comediante é instigante. Ação estilosa, muitas sombras em movimento num clima depressivo. Entra a incrível abertura (ao som de The Things They Are A´Changin, de Bob Dylan) passando por 40 anos de história (JFK, Nixon, Andy Warhol e o Pop Art, Studio 54, David Bowie, Truman Capote, Fidel Castro, Annie Leibvitz) com rumos diferentes da que vivemos (a tal realidade alternativa), mas encharcado de cultura pop.
Os flashbacks são interessantes, e quando a ação mira o passado tudo funciona, onde fazer justiça era como diversão, e a posição política era obrigatória (vide o feito audaz em assassinar JFK, e o maravilhoso momento Vietnã com a clássica A Cavalgada das Valquírias, de Wagner).
Pontos fracos: a fita tem duas horas e quarenta e três minutos de projeção e os problemas de ritmo não custam a aparecer. Além do uso desapropriado de algumas canções, até extrapolar, como um Aleluia/Hallelujah gospel emoldurando pateticamente uma cena de impotência sexual, mirando o riso tolo de um público raso. Ou da divina The Sound of Silence (Simon/Garfunkel) num enterro. Ok, o som do silêncio num cemitério, mas na montagem há um corte muito ruim, para depois retornar ao cemitério.
E, cismando em homenagear a publicação dos quadrinhos, Snyder utiliza cenas que reproduzem seus desenhos, gerando por vezes cenas perdidas, imagens soltas, momentos de tédio e de pretensa apreciação. Há alguma falta de conexão, e até mesmo os belos pensamentos do Dr. Manhattan se perdem em meio ao emaranhado de histórias. Sua relação com Júpiter II fica embolada e só piora quando o Coruja forma uma espécie de triângulo amoroso.
E por falar em Coruja, Patrick Wilson soa apático ao tentar estabelecer complexidade numa questão simples: um poço de insegurança ao ser um pessoa comum, mas ao vestir seu uniforme vira um corajoso herói.
Na prateleira da sua casa: apesar de tanto partida e resolução soarem fortes e corajosos, substancialmente falta algo. Muitas perguntas…
Porque o Dr. Manhattan não age sem amarras para impedir as situações?
E num uso de clichê, o vilão explica mais uma vez suas maléficas ações, mesmo que tenham rumos distintos… Ou a trama andando em círculos na possível catástrofe nuclear, até resvalar pretensamente em algo que não é. Onde está a anarquia inicial?
Quem vigia os vigilantes? Porque as organizações governamentais não explicitam suas ações?
O resultado é uma fantástica embalagem, com lampejos de inteligência, ação vigorosa e uma crítica a possíveis anos 80 que não deixariam nada a dever ao passado recente da inglória era W. Bush, onde o presente (de Watchmen) é aterrador, pessimista e decadente.
Ao fim será que a humanidade concordaria com a decisão limite que testemunhamos em Watchmen – O Filme, o qual uma atrocidade poderia evitar um desastre pior ainda?