Nos dias 21 a 29 de janeiro ocorreu de forma online (devido à forte onda da pandemia que voltou assolar o país) a 25° Mostra de Cinema de Tiradentes. A Mostra trouxe foi uma verdadeira celebração ao Cinema. Curtas e longas, inéditos, alguns que já passaram e outros festivais, outros longas que marcaram os 25 anos da Mostra, fora a homenagem ao cineasta: Adirley Queiróz.
Dentre os inúmeros curtas e longas que passaram no festival, irei comentar seis longas que passaram: “A Felicidade das Coisas”, “Lavra”, fazendo sua pré-estreia mundial: “Seguindo Todos os Protocolos”, o cearense, que fez sua pré-estreia mundial: “A Colônia”, “Extremo Oriente”, a estreia nacional de “Lutar, Lutar, Lutar”. Eu assisti muitos curtas atuais e longas antigos, mas selecionei esses seis longas e dicas de curtas que me chamaram atenção e talvez sirva de dica ao leitor para futuras Mostras e Festivais ou quando passarem no Cinema.
Vamos lá:
A Felicidade das Coisas (MG-SP)
Direção: Thais Fujinaga
Classificação: Livre
Sinopse: Paula, 40 anos, está esperando seu terceiro filho, enquanto passa seu tempo entre uma praia feia e uma recém-adquirida e modesta casa de veraneio no litoral paulista, onde ela pretende construir uma piscina para seus filhos. Quando seus planos se desfazem por conta de problemas financeiros, ela se torna cada vez mais sufocada pelo peso de suas responsabilidades. Deixada sozinha pelo marido e lidando com as constantes demandas de seu filho adolescente, que está conhecendo um novo mundo, Paula precisa confrontar suas próprias expectativas e frustrações, o que nos revela uma associação profunda entre amor e perda.
Comentário: Escolhido pela ABRACCINE como melhor longa brasileiro na 45° Mostra Internacional de São Paulo. A Felicidades das Coisas é um perfeito retrato de inúmeras famílias da Classe Média Brasileira. Paula (Patrícia Saravy), representa a parcela de Mulheres/Mães sufocadas e multitarefas que temos no nosso país. A piscina, que é representação de um sonho, evidenciado pelo seu tamanho, se torna um fardo, assim como cuidar de sua família, onde o Marido/Pai é um completo ausente (triste realidade brasileira).
Seus filhos e sua mãe, que mora com Paula, também aumentam as responsabilidades da protagonista, principalmente seu filho, que como qualquer adolescente, e com o excesso de demandas da Mãe, não tem um referencial para que o ajude a crescer de forma responsável. A Felicidade está realmente em raros momentos, mas sempre marcados pela angústia e preocupação de Paula. A última cena é perfeita, pois visualmente marca toda a mensagem da trama.
Lavra (MG)
Direção: Lucas Bambozzi
Classificação: Livre
Sinopse: Camila, geógrafa, retorna para sua terra natal depois que o rio de sua cidade foi contaminado pelo maior crime ambiental do Brasil, provocado por uma mineradora transnacional. Ela segue o caminho da lama que atingiu o rio, varreu povoados, tirou vidas e deixou um rastro de morte e destruição, e começa a repensar seu estilo de vida. Decide fazer um mapeamento dos impactos da mineração em Minas Gerais e se envolve com ativistas e movimentos de resistência, saindo do individualismo para a coletividade. O filme é um road movie sobre perder um mundo e tentar recuperá-lo, sobre pertencimento e identidade, na guerra em curso entre capitalismo e a natureza.
Comentário: O que é o desenvolvimento? Vale tudo pelo lucro? Essas são inúmeras perguntas respondidas pelo documentário Lavra. Um “Road Movie”, que marca o retorno da geógrafa, Camila, retornando a sua terra natal, vendo os desdobramentos do maior crime ambiental do Brasil: A Tragédia do Rompimento da Barragem de Mariana, em Minas Gerais.
A escolha do diretor Lucas Bambozzi escolhe uma abordagem que ora funciona muito bem, ora torna seu longa um pouco artificial. Muitas vezes a câmera está nas mãos de Camila, e ela dirige nosso olhar, já em outras o documentário acompanha a protagonista, com a câmera “Sob o Ombro”. Muitas vezes causando no espectador um clima de narração pessoal, juntamente com um falas que parecem completamente roteirizadas, quebrando a “realidade” do projeto.
O grande poder da película está em sua denúncia. A cada encontro com moradores locais que vivenciaram a tragédia, vemos que em nome do desenvolvimento e lucro, a violência, poluição, prostituição, destruição dos habitat naturais, moradias, tudo é consumido. Sem nenhum tipo de responsabilidade nem pela empresa responsável (Valle) e nem pelo governo de Minas, já que o dinheiro que manda.
Agora peço perdão de antemão, pois o que pode ser considerado um spoiler agora para o leitor, para mim é fundamental para esse comentário crítico. Durante as filmagens do documentário, outra barragem se rompe, a de Brumadinho, novamente responsabilidade da mesma empresa (Valle) e mais um crime ambiental com enormes proporções.
E o que era o filme para apenas ver as consequências, passa a ser um longa onde o registro acontece em quase tempo real, o que potencializa muito mais o impacto da mensagem dos realizadores.
Perto do fim, depois de conversar com Pajé e escritor Ailton Krenak, que diz que “a morte não está em perder tudo, mas para de sonhar.” Camila finalmente passa a ser ativista e filmada de frente. Gesto inteligente do Diretor que demonstra o confronto que todos temos que ter contra as injustiças.
Seguindo Todos os Protocolos (PE)
Direção: Fábio Leal
Classificação: 18 anos
Sinopse: Após ficar 10 meses sozinho em quarentena, Francisco quer transar.
Comentário: Na estreia de Fábio Leal na direção. Seguindo Todos os Protocolos é uma comédia com dose perfeita entre humor e paranoia em que todos nós, principalmente brasileiros, enfrentamos no nosso país, devido ao medo da pandemia. Em determinado momento quando vemos nosso protagonista Ricardo de masturbar para um vídeo gay (sim, esse é um filme gay, que não se preocupa com o pudor com cenas de sexo), no seu computador, a uma outra aba, com as Lives do Biólogo Atila, dizendo que estamos nossos dias com mais mortes (pela pandemia), e sem muitas esperanças.
Esse equilíbrio entre humor devido ao tesão vivido pelo protagonista, com seu zelo de ser uma pessoa minimamente responsável, enquanto milhares de pessoas morriam no país, é tarefa que o diretor realiza quase com maestria. O pêndulo sempre cai para um lado, mas logo retorna, criando excelentes momentos cômicos e de pura tristeza. E por mais que final seja uma escolha mais para um lado do que para outro, a responsabilidade é sempre posta em primeiro lugar. Um dos melhores longas que assisti ao fazer uso da pandemia em que ainda vivemos como mote.
A Colônia (CE)
Direção: Mozart Freire & Virginia Pinho.
Classificação: 14 anos
Sinopse: O bairro Antônio Justa, em Maracanaú (CE), surge a partir de uma colônia fundada em 1942 para o isolamento de pessoas com hanseníase. Hoje os novos moradores e os descendentes dos primeiros pacientes convivem num território marcado pela ocupação irregular e a especulação imobiliária, atravessado pelo estigma da doença no passado e a realidade precária atual.
Comentário: A estreia da direção de Mozart Freire & Virginia Pinho, peca justamente na abordagem em que dupla escolhe: Um Doc-Ficção. Enquanto documentário, que retrata a vida das pessoas que sofrem isoladas pela hanseníase, até em momentos em que há algum tipo de ficção, o espectador fica emocionado, pois a muito verdade no sofrimento dessas pessoas, inclusive dos cuidadores.
Entretanto, quando o longa tenta explorar o bairro, seus problemas evidentes, a ficção é completa e perde qualquer tipo de impacto que obra se propõe também a ser: O Passado e Presente daquele local. A montagem, não sabe muitas vezes intercalar os momentos para documentar e tornar ficção a trama. Uma pena, pois vemos que os realizadores tinham muito material na mão, mas a escolha de não ir no óbvio e criar uma narrativa mais ativa e inventiva, joga contra a película.
Extremo Ocidente (RJ)
Direção: João Pedro Faro
Classificação: 16 anos
Sinopse: No subterrâneo de uma cidade cercada, um soldado aguarda seu destino. Enquanto isso, nas ruínas da superfície, o perigoso Canibau corre à solta.
Comentário: Extremo Ocidental é uma ficção que tenta emular a paranoia das guerras. Quase em um “filme de guerrilha”, João Pedro Faro vai construindo uma narrativa que utiliza justamente as limitações ao seu favor. Desde do abrigo, quando vemos o personagem, um soldado, matar o tempo pensando em cometer algo contra si, enquanto música toca no rádio que sempre com chiado cria a sensação perfeita para seu estado mental.
Do lado de fora, em uma cidade sitiada, o protagonista é apresentado como um fantasma em uma cidade igualmente tal. Não sabemos o que ele vê realmente um embate aéreo que presencial é real. A Limitação orçamentária do curta, é aproveitada a favor da psique do seu personagem, que anda pela cidade, enquanto nem ele distingue o que é mesmo real devido ao cansaço.
À noite, como afirma o único morador (para mim, um deslize de roteiro) daquela cidade, o “Canibau”(que é um Canibal) está a solta. Mas o que ele é de verdade? Uma pessoa? Uma manifestação sobrenatural? Obviamente, se olharmos no prisma realístico apenas veremos um cara vestido de preto. No prisma metafórico, podemos olhar como ao terreno sobrenatural ou uma metáfora de como os soldados vão a e voltam da guerra.
Lutar, Lutar, Lutar (MG)
Direção: Sérgio Borges e Helvécio Marins
Classificação: 12 anos
Sinopse: Documentário que conta a história centenária do Clube Atlético Mineiro, desde sua fundação, em 1908, até o título da Copa do Brasil de 2014, passando pela épica conquista da Libertadores de 2013. Um time que nasce da utopia de unir o branco e o preto, o pobre e o rico, e que resiste ao infortúnio e às injustiças dentro e fora de campo. Um documentário que transcende o futebol, e revela o DNA de uma das torcidas mais fiéis e singulares do futebol mundial.
Comentário: Eu sou apaixonado por futebol. E mesmo que o Atlético Mineiro não seja meu time de coração, assistir esse documentário, me fez apreciar a história desse clube. Com uma pesquisa histórica rica e edição precisa. Logo de cara ouvimos a defesa do pênalti que o goleiro fez na semifinal da Libertadores de 2013 (que deu o título ao Galo), com as imagens do jogo pela mesma competição contra o jogo do Flamengo em 81, onde 5 jogadores do time de Minas foram expulsos. Assim os diretores Sérgio Borges e Helvécio Marins, estabelecem o que será os temas da sua narrativa: Paixão pelo clube, justiças e injustiças que time diz sofrer e as dores e as glórias.
Temos um panorama geral com desde a criação do clube em 1908, os torcedores fanáticos contando várias histórias em sua relação com o clube. Como o Atlético é time popular, diferente do seu rival Cruzeiro e tenta provar (isso fica a cargo do espectador acreditar ou não), todas as injustiças que fizeram o Galo perder vários títulos.
A montagem é precisa e conecta dias passados, até mesmo derrotas, com vitórias futuras. Dadá Maravilha, Vavá, Nelinho, e principalmente Reinaldo (o maior ídolo do clube), dão suas versões de vários fatos acontecidos e jogos chaves. Inclusive, a posse de Reinaldo de ao marcar um gol e comemorar com a mão cerrada levantada um protesto contra a ditadura: tal gesto que deve ter inspirado o jogador Sócrates, na Democracia Corinthiana, serve como base para jogadores, torcedores e até mesmo jornalistas desconfiaram que o Atlético foi prejudicado em jogos chaves na sua história pelo governo e pelas forças (como a mídia carioca), que mandava no país. Óbvio, cabe ao espectador acreditar ou não.
E claro, encerra o longa da conquista da Libertadores de 2013, que foi dramática (e isso eu sei, pois acompanhei), desde a chegada de Ronaldinho, até em momentos chaves como defesas de pênaltis, gols marcados no último minuto. Coroa um documentário que não tem caráter de ser imparcial, mas que é muito bem executado.
Primeiros Soldados (ES)
Direção: Rodrigo de Oliveira
Classificação: 16 anos
Sinopse: Em Vitória, na virada de 1983, um grupo de jovens LGBTQIA+ celebra o réveillon sem ideia do que se avizinha. O biólogo Suzano sabe que algo de muito terrível começa a transtornar seu corpo. O desespero diante da falta de informação e do futuro incerto aproxima Suzano da artista transexual Rose e do videomaker Humberto, igualmente doentes. Juntos eles tentarão sobreviver à primeira onda da epidemia de Aids.
Comentário: Um longa extremamente difícil que abordado sem nenhum tipo de estereótipos ou apelo dramático. Rodrigo de Oliveira nos apresenta um drama antes de tudo sobre afetos, conectando as histórias ficcionais (mais que com certeza poderia ser reais), de forma que o destino que rodeia os personagens o leva ao mesmo fim, vale apenas ser não ser contado como drama, mas como uma a realidade que assolou e ainda assola a várias pessoas.
Primeiros Soldados é um dos longas mais tocantes que vi nos últimos anos. Primeiramente somos apresentados separadamente a cada protagonista, em principal Suzano. A uma maestria tanto nas atuações como na direção de criar elo entre as dores dos personagens, sendo por falar, gestos e imagens. Esconder a dor da iminente partida, viver os dias com pequenas felicidades, luta por dias melhores. Tudo é abordado em um drama que jamais cai para o maniqueísmo, ou apelam para emoção do público.
Suzano, Rose e Humberto não são soldados, mas vivem sobrevivem, quando estão juntos, como um exército contra o mundo e seus próprios corpos. E no momento atual que o país está, mesmo que não seja o foco do longa, a palavra resistência é o mote mais poderoso da película.
Em determinado momento Rose, sendo gravada, fala algo para câmera que representa até hoje toda a luta da comunidade LGBTQIA+, é tão poderoso, triste e forte, que peguei emocionado.
Mesmo que as conclusões e finais não poderiam ser outros, conviver por 1h40min com aqueles personagens me tocou profundamente. Vivemos uma vez e mesmo não sabendo qual será nosso destino, resistir é um ato, mais de que bravura, é necessário.
Dicas de curtas:
Como já dito eu assisti vários curtas na Mostra. E apenas irei citar alguns, que me chamaram a atenção, que talvez em outras Mostras ou Festivais o leitor esteja atento para assistir, a qual mais gostei: AluzScuro (MG), Bicho Azul (RJ), Colmeia (DF), Os Demônios Menores (RS), Vovó (MG), Voz na Escuridão (SP), Bicho Solto (SP-CE), Curió (Ce), A Sentença (SP), Quarentena (PR), Uma Paciência Selvagem me Trouxe Aqui (SP-Niterói), Rua Dianorá (CE), A Realidade Não tira Férias (BA).
Outros curtas já vistos ano passado, mas irei citar alguns que inclusive já foram premiados em outras Mostras e Festivais, e valem como dicas: Como Respirar Fora D’Água (SP), O Resto (MG), Raone (SP), Time de Dois (RN).