The Doors (Idem, 1991) de Oliver Stone
The Doors (Idem, 1991) de Oliver Stone finalmente é lançado em DVD (também disponível em Blu-Ray). O sonho reinicia quando escutamos uma voz embargada: “o filme começará em cinco minutos”. Era Jim Morrison ao microfone.
Num deserto americano vemos índios chorando a morte. Corpos, sangue, almas desencarnando. O pequeno Jim observa. Observa e recebe o chamado do espírito xamã que se entrelaçaria por toda sua vida. A morte sempre o acompanhou de perto.
A fagulha está acesa, o fogo é eminente.
Cinco minutos depois Val Kilmer toma as feições de Jim Morrison. Ou seria o próprio Jim Morrison tomando Kilmer de assalto? Por favor, palmas para Val Kilmer! Assim como o público (quase) sempre fez com Jim Morrison. O personagem primitivo que brinca com sua vida, que dialoga com a morte, que tem em seu corpo e voz a extensão do poder sobre-humano. O poder de desnortear as pessoas, começando por si mesmo, com suas palavras poéticas, suas afrontas, seus gestos maliciosos e atitudes sexuais. O comum deixa de existir. Se ele pede “acenda meu fogo” (Light my fire), a chama já sobe pelas imagens, o fogo já está aceso na tela. Basta sentir, perceber, viajar.
Acompanhamos o nascimento de um mito, de uma das maiores e melhores bandas da história. Das praias de Venice, Califórnia, para os palcos do mundo. Direto para todas as mentes.
The Doors era formado por Jim Morrison (Val Kilmer), Robby Krieger (Frank Whaley), Ray Manzarek (Kyle McLachlan) e John Densmore (Kevin Dillon). Quem sempre os acompanhava era Pam (Meg Ryan), o primeiro e o último amor da vida de Jim.
E de pertinho, temos os momentos mais loucos, shows minúsculos, shows históricos, o sexo, rituais, as drogas (e suas viagens), a polêmica, os confrontos com a polícia (e prisões). Seu público entregue ao êxtase, dominado pelos acordes e principalmente pelo sacerdote Morrison. Gênio do desvairo, ele regia um mantra, e como num transe, a platéia (a maioria de mulheres) se mistura à insensatez divina do ídolo.
Como uma overdose flamejante de imagens e músicas (nunca um grande videoclipe), tudo desconexamente conexo. Pegando fogo o tempo inteiro, ardemos em cenas avermelhadas, alaranjadas, belissimamente estouradas, as entranhas borbulham a cabeça inflama em pensamentos, com desejos pecaminosos… Impossível não pensar em sexo, drogas e rock n´ roll. Bebidas alucinam junto da psicodelia do LSD, do ácido, da maconha… Tudo contextualizado nas canções, letras, poemas e vida de Jim Morrison e The Doors.
Entusiasta (e contemporâneo) dos anos 60, o diretor e co-roteirista Oliver Stone recolheu mais de 350 depoimentos de 160 pessoas diferentes. Casos e casos a serem traduzidos em som e imagem. As poéticas palavras do mito tomam forma lisergicamente na tela. Suas belas imagens também incluem a morte e os espíritos indígenas de Morrison sempre por perto. Repare nos shows apoteóticos, no palco, em suas divagações. Estão sempre ao lado, atrás, por perto de Jim. E o virtuosismo técnico de Stone, aliado à suas viagens e jogo de câmeras deleitam até mesmo aquele que ainda nem conhecia The Doors. Morrison sussurra ao microfone no meio de um show: “divirta minha alma…” E é isso que recebemos. Um banquete de sentidos em meio a sentimentos chacoalhados dentro do nosso espírito. Divino espetáculo da psicodelia, traduzido na sétima arte.
Tachado como mais uma arruaça, um delírio exagerado de Oliver Stone, The Doors nasceu polêmico. Esnobado pela crítica (e pelos prêmios e indicações), hoje o longa não apenas melhorou com o tempo, como também é emblemático. Um neo-clássico obrigatório. Para o fã do The Doors, para o maravilhado por Morrison, para os apreciadores do rock (e sua história), mas acima de tudo para o amante do cinema.
Material mas do que especial, de luxo.
Se em edição simples The Doors (o filme) já seria simplesmente indispensável na coleção de qualquer um, imagine então um disco embriagado de extras. E tudo devidamente legendado.
O melhor de todos os extras é o denominado “A Estrada do Excesso”. Um curioso retrato de como o filme se materializou, incluindo suas dificuldades autorais e inúmeras versões para zilhões de casos, acasos e situações presenciadas e contadas sob várias óticas.
São relatos interessantíssimos, destacando Oliver Stone, Val Kilmer e Meg Ryan. Personagem, atores e atrizes também têm suas versões. Kathleen Quinlan e a própria Patrícia Kennealy, Frank Whaley e o real Robby Krieger, Kevin Dillon e depois o verdadeiro John Densmore.
Imagens da época dos The Doors no palco e outras bem pessoais do grupo, e especialmente de Morrison são um deleite. Revelações, bastidores, loucuras, está tudo lá. É a arte de utilizar o excesso para chegar ao limite da razão.
Ainda: um Featurette original, da época do lançamento do longa produzido pelo estúdio, uma Tour pelas locações, apresentadas exatamente por quem as escolheu, e um especial que mostra um pouco dos shows (e bastidores) do The Doors por Los Angeles.
São 14 cenas deletadas, e com a introdução de Oliver Stone podemos perceber que algumas foram encurtadas e aproveitadas, com resultados bons, mas que ele mesmo questiona em alguns casos.
Numa delas Tom Baker (Michael Madsen) chega a declarar que com suas atitudes Morrison será esquecido. E escuta de cara: “você será apenas um extra qualquer no cinema”. E foi mesmo. Tom Baker foi Dr. Who na TV, enquanto Morrison virou um mito. Irônico e real.
Já as cenas realmente deletadas, Stone mesmo fala que se fosse reeditar o filme hoje, reaproveitaria algumas, e ainda completa: “cuidado com o que você corta”.
Outras curiosidades:
O filho de Oliver Stone, Sean, é quem interpreta Jim Morrison garotinho;
Oliver Stone faz uma ponta como o professor de cinema da UCLA;
Exceto pelo tecladista Ray Manzarek, os outros The Doors e antigos parceiros (produtores, técnicos) participaram de alguma forma na realização do filme. Robby Krieger chegou a dar aulas para Frank Whaley, que o faz nas telas, enquanto o baterista John Densmore faz uma ponta como um engenheiro de som na última gravação de Morrison. Patrícia Kennealy, jornalista e ex-amante de Morrison, interpreta na tela aquela que faz um ritual contendo espadas e sangue, entre o próprio Morrison e ela;
Paula Abdul ajudou Val Kilmer na sua atuação corporal, e ainda elaborou algumas coreografias que Morrison desordenadamente costumava criar no palco;
Billy Idol faz uma ponta como um cara chamado Dog (Cão), onde Morrison e amigos bebem pela manhã num bar, até serem expulsos.
Jennifer Tilly, antes de ser A Noiva de Chucky (1998) e a mãe do Filho de Chucky (2004), foi uma jovem amante de Jim Morrison. Cheque, ela está numa cena deletada.
NOTAS:
FILME E EXTRAS: 9,0 (faltaram apenas os trailers da época de lançamento).