A Estrada 47 (Idem, Brasil, 2013) de Vicente Ferraz
Brasil em guerra, até hoje, soa como piada para muitos compatriotas, mesmo com um histórico em que consta, por exemplo, o envolvimento direto na Guerra do Paraguai, maior conflito bélico da história da América do Sul. Não estou querendo dizer que isso é motivo para se orgulhar, mas pensar que o país não é combativo é, no mínimo, ignorância.
Há quem diga que a participação de nossos pracinhas na Segunda Guerra Mundial foi desqualificada. A Estrada 47 até retrata um pouco isso, mas procura desconstruir esse preconceito.
O filme, dirigido e escrito por Vicente Ferraz, tem enredo fictício, mas embasamento real, inspirado em diários, cartas, entrevistas e fotografias. A própria narração do longa, que se dá em primeira pessoa, é uma carta onde o protagonista relata a experiência de guerra para o pai que está no Brasil. Durante a fala, quase sussurrada, o soldado Guimarães (Daniel de Oliveira), reiteradas vezes, se mostra arrependido de estar ali e com medo de morrer. A exposição do sentimento do personagem naquele tom atinge o expectador, que acaba envolvido com o clima de guerra.
A trama gira em torno de quatro membros do pelotão de engenharia da FEB. Eles se tornam heróis ao longo do filme, mas são apresentados de forma estereotipada: cômicos, confusos e desorganizados, numa clara semelhança (não sei se foi intencional) aos Trapalhões. Mas, ao mesmo tempo, uma personificação do povo brasileiro.
Se inicialmente eles aparecem como medrosos e inseguros, depois, eles se tornam astutos e corajosos ao decidirem encarar uma missão bastante audaciosa, desarmar todo um campo minado para possibilitar o avanço de tropas aliadas. Somasse ao grupo um jornalista (Ivo Canelas) que, mais centrado e ciente da situação, se torna uma espécie de orientador do pelotão. Contudo, é necessário mais do que técnica e inteligência para vencer o desafio.
Uma direção de arte e fotografia de qualidades nunca vistas antes em filmes de guerra brasileiros fazem de A Estrada 47 uma obra prima da categoria. As paisagens cobertas de neve e os enquadramentos em momentos de reflexão reforçam a angustia dos personagens. Para além dos cenários, fardamentos, tanques americanos modelo M4 Sherman e um roteiro coerente conseguem levar o público à Itália da década de 40, destruída pelo conflito, o que evidencia um grande trabalho de pesquisa realizado pela equipe do longa.
Ainda mais interessante, o contraste daquelas paisagens com a presença de brasileiros habituados ao clima tropical, ou então a combinação do inverno italiano com uma trilha sonora de pífanos e, em outros momentos, do samba cantado pelo sargento Laurindo (Thogun Teixeira). Quanto às atuações, foram a contento. Se é necessário apontar críticas, essas ficam para a edição de som, pois a narração e os diálogos, muitas vezes, são inaudíveis.
O ponto alto do filme, com certeza, é a compaixão dos pracinhas brasileiros, principalmente do soldado “Piauí” (Francisco Gaspar). Mesmo diante das adversidades de uma guerra, a vida humana não se torna ínfima para eles. Procuram proteger até mesmo o inimigo. Muito além de valentia e bravura, se tornam motivo de orgulho devido algo mais importante, a solidariedade. De prisioneiro de guerra, o oficial alemão Jürgen Mayer (Richard Sammel), apelidado de “Jegue”, se torna amigo de “Piauí”, que arrisca a própria vida pelo fascista desertor.
No intuito de valorizar a participação de nossos conterrâneos na Segunda Guerra Mundial, Vicente Ferraz atinge o objetivo com louvor. Instigante, alguns poucos momentos cômicos e, por fim, emocionante. O filme, vencedor do Festival de Gramado em 2014, é mais que recomendado, especialmente para quem gosta de História.
*Fernando Vasconcelos Benevides é jornalista e historiador.
Parece um filme interessante mesmo. Vou assistir. Boa matéria. Ótimo texto.
Belo texto! Não conhecia o filme e pela descrição parece ótimo. Já quero assistir!