Interpretar um personagem real é sinônimo de Oscar? Não é o que dizem os números. Nos últimos 50 anos, o Oscar de melhor ator premiou atuações de apenas 17 personagens reais, ou 34% dos atores vencedores.
Em 2015, dos cinco indicados ao prêmio de melhor ator, apenas Michael Keaton, por Birdman – Ou a Inesperada Virtude da Ignorância (Birdman or A Unexpected Virtue of Ignorance), não interpreta uma figura baseada numa história real. E o favorito é uma dessas “figuras reais.”
Depois de vencer o Globo de Ouro de melhor ator-drama e o Screen Actors Award (SAG) de melhor interpretação masculina por A Teoria de Tudo (Theory of Everything), Eddie Redmayne está em vantagem para levar a estatueta para casa. E motivos que o Oscar ama amar não faltam: personalidade real (Stephen Hawking), homem derrubado por uma invalidez, cenário de época (ok, não é tão passado assim, mas é) e o sotaque inglês.
John Du Pont foi um milionário que patrocinou atletas da luta grego romana dos EUA, em preparação para as Olimpíadas de 1988. No papel, o comediante Steve Carrell, com uma prótese no nariz e muita fome de vencer. O filme é Foxcatcher – Uma História que Chocou o Mundo (Foxcather).
Inglês, Benedict Cumberbatch é o matemático Alan Turing, que desvendou os códigos nazistas durante a 2º Guerra Mundial, e é considerado o pai do computador. O fator além disso é que ele é homossexual, altamente marginalizado no período retratado pelo filme O Jogo da Imitação (The Imitation Game).
Completando a lista dos cinco nomeados, Bradley Cooper faz o personagem-título Chris Kyle, de Sniper Americano (American Sniper), que sofre com seus dramas e traumas da ‘Guerra ao Terror’, no Afeganistão.
O principal concorrente de Eddie Redmayne/Stephen Hawking é Michael Keaton, que tem o fator de “volta por cima”. Apesar de trazer elementos da vida do ator que vestiu o uniforme de Batman (1989), Birdman é uma dramédia altamente ácida sobre a cadeia produtiva de Hollywood e suas consequências.
E para quebrar a escrita dos últimos 50 anos, que premia mais personagens de ficção do que baseados em uma história real, a história de Stephen Hawking tem semelhanças com outro grande vencedor. Entre os atores premiados com o Oscar e seus personagens reais acometidos de problemas físicos, o exemplo mais pungente é o de Daniel Day-Lewis, em 1989. Seu Christy Brown de Meu Pé Esquerdo (My Left Foot), nasceu com paralisia cerebral, mas aprende a pintar e escrever com seu único membro controlável, seu pé esquerdo.
Personagens reais
Muito além de serem figuras reais, há alguns rótulos entre os 17 vencedores que podemos identificar muletas que ajudaram na interpretação, e por consequência na vitória do nomeado. Rei gago (O Discurso do Rei, 2010); político homossexual (Milk: A Voz da Igualdade, 2008); escritor polêmico e homossexual (Capote, 2005); cantor cego (Ray, 2004); pianista autista (Shine: Brilhante, 1996); um pacifista que perdeu muitos quilos (Gandhi, 1982) e um boxeador que ganhou muitos quilos (Touro Indomável, 1980).
Lista completa com os 17 vencedores:
Clube de Compras Dallas (2013) – Matthew McConaughey (Perdeu muito peso/Personagem morre de AIDS)
Lincoln (2012) – Daniel Day-Lewis (Presidente dos EUA)
O Discurso do Rei (2010) – Colin Firth (Rei gago)
Milk: A Voz da Igualdade (2008) – Sean Penn (1º político homossexual eleito ns EUA)
O Último Rei da Escócia (2006) – Forest Whitaker (Militar e Ditador controverso)
Capote (2005) – Philip Seymour Hoffman (Escritor polêmico e homossexual)
Ray (2004) – Jamie Foxx (Cantor e pianista cego)
O Pianista (2002) – Adrien Brody (Pianista judeu que sofre durante a 2ª Guerra)
Shine: Brilhante (1996) – Geoffrey Rush (Pianista autista)
O Reverso da Fortuna (1990) – Jeremy Irons (Milionário acusado de tentar matar a esposa)
Meu Pé Esquerdo (1989) – Daniel Day Lewis (Deficiente físico que se torna artista)
Amadeus (1984) – F. Murray Abraham (Compositor que assassina o rival e fica louco)
Gandhi (1982) – Ben Kingsley (Pacifista/Perdeu muito peso)
Touro Indomável (1980) – Robert DeNiro (Boxeador problemático/Ganhou muitos quilos)
Operação França (1971) – Gene Hackman (Policial obstinado)
Patton: Rebelde ou Herói? (1970) – George C. Scott (Militar americano controverso)
O Homem que não vendeu sua alma (1966) – Paul Scofield (Agitador social contra a igreja e suas regras)
Figuras “inventados”
Entre os 33 personagens “inventados” que venceram o Oscar de melhor ator, há muitos deles que são até figuras humanas e com algum tipo de deficiência ou doença. Há o alcoólatra assumido de Nicolas Cage em Despedida em Las Vegas (1995); Tom Hanks como o advogado acometido de AIDS em Filadélfia (1993); o militar cego e amargurado de Al Pacino em Perfume de Mulher (1992) ou o militar que fica paraplégico de Jon Voight em Amargo Regresso (1978). Mas nenhum deles são baseados em histórias reais. Veja a lista completa: