O Poderoso Chefão (The Godfather, 1972) de Francis Ford Coppola
Ninguém, por mais especialista que seja, conseguirá afirmar qual o melhor filme de todos os tempos. Inúmeras listas tentam e norteiam (apesar da maioria excluir diretoras), qual seria a melhor obra dessa arte, o Cinema. Mas me atrevo a dizer, que pelos quesitos técnicos/artísticos, O Poderoso Chefão (1972), que completa em 2022, 50 anos, pode estar no panteão dos melhores longas já feitos.
Ninguém acreditava no projeto do iniciante Francis Ford Coppola. A Paramount cogitou Sergio Leone, que recusou o convite por achar que a obra glorificava a máfia. Coppola foi quase demitido diversas vezes durante a produção. E apostar as fichas em Marlon Brando, um ator consagrado, mas que era um problema no set de filmagens, além de um desconhecido Al Pacino, poderia ser um sinal de desastre. Ainda bem, pois a insistência de Coppola em se preparar arduamente para o projeto, deu frutos. O longa foi um sucesso, rendendo 11 indicações da Academia e 3 Oscar: melhor roteiro adaptado; melhor ator (Brando) e melhor filme na premiação de 1973.
O roteiro foi assinado por Coppola e Mario Puzo (autor do livro base), que apresenta um longa que conta múltiplas tramas, nos apresentando a família Corleone, e as demais família da máfia italiana em Nova York (em nenhum momento os termos “Máfia” e “Cosa Nostra” são utilizados na película, em respeito a comunidade italiana. Apenas “Gângsters”). Entretanto, uma narrativa central permeia e norteia as demais: O começo da tragédia de Michael Corleone (Al Pacino), e as diferenças entre ele e seu pai Don Vito Corleone (Marlon Brando), que será enfatizada nas sequências.
A trama começa enfatizando o falho “sonho americano” (estamos em plena Guerra do Vietã), enquanto ouvimos Bonasera em close-up que vai levemente abrindo, pedir justiça por o que aconteceu com sua filha. E aqui já somos apresentados a todo poder e forma de pensar do “Padrinho”, no caso Vito Corleone. Sua influência e poder são enormes, mas o respeito e senso de ser considerado um aliado e não alguém a se temer, é que demonstra as particularidades do personagem. Junte isso à brilhante atuação de Marlon Brando, seus trejeitos e o ar naturalista que faz um homem de meia idade, mas com imensa sabedoria, e pronto, temos uma das atuações mais brilhantes do Cinema.
O longa se tornou um marco para a cultura pop. “I’m gonna make him an offer he can’t refuse/Eu fazer uma oferta que você não pode recusar” (ditas por Vito e Michael) e as diversas regras que Don Vito diz durante o longa como: “Não deixe que ninguém fora da família saiba o que estamos pensando”, e dentre outras ao longo da trilogia. Todas foram um marco para o Cinema, pois estabeleceu elementos que são repetidas por fãs e até por quem não conhece a obra, como referência cinematográfica e estilo de vida.
A fotografia de Gordon Willis e a direção de arte Warren Clymer beira à perfeição. Estamos em um mundo de homens (uma sociedade machista e patriarcal), onde a morte está sempre a ronda. Os Corleone e todos os personagens com má índole estão sempre nas sombras ou com seu rosto meio iluminado (dualidade). E a cor vermelha (violência/sangue), permeia toda a narrativa. Adicione a trilha sonora de Nino Rota (a minha preferida de todos os tempos) e temos o fúnebre sempre rondando as tragédias da trama.
As múltiplas tramas do longa são perfeitamente conectadas pelo roteiro e a edição de William Reynolds e Peter Zinner. Sollozzo (Al Letteri), um turco que estabelecer drogas em Nova York, protegidos pela família Taggaglia, Don Barzini, a polícia corrupta, a possível guerra das cinco famílias e seus interesses tudo permeia o longa com reviravoltas perfeitamente orquestradas em um universo trágico.
Porém, o conceito da família é outro elemento inovador para época. Cada Corleone parece herdar uma característica do pai Vito. Sonny (James Caan) é explosivo, mas contém ódio pelos seus inimigos. Tom Hagen (Robert Duvall), mesmo não sendo filho de sangue, mostra consciência e prudência. Fredo (John Cazale) e Connie (Talia Shire) a doçura e o amor pela família.
O que nos leva a Michael. Inicialmente não um herói de guerra que diz a Kay (Diane Keaton), que não quer se envolver nos negócios da família é o mais perfeito para assumi-la, apesar de que as diferenças de pensamentos entre ele e seu pai se tornam cada vez maiores no decorrer da trilogia. Michael tem um ódio contido (inclusive do próprio pai), mas entende que as ações no universo da máfia são devem ser vistas não apenas como pessoas, mas também como negócios.
O que nos leva a famosa sequência do restaurante, que foi o ponto de virada em toda sua vida. No encontro com Sollozzo e o policial corrupto McCluske. Em um show de atuação de Al Pacino, pois o som diegético da linha do trem que passa perto do local com o mexer dos olhos de Michael, demonstra toda sua confusão mental. Ele mata seus inimigos e trilha seu caminho para sua tragédia.
Depois ele se exilou na Itália, onde se apaixona por Appollonia (Simonetta Stefanelli), a fotografia usa cores vivas e quentes, porém a tragédia já marcou o destino de Michael. Em sua volta para América, quando se reencontra com Kay, ele já é quase um novo Don da família. Note o brilhante uso da figurinista Anna Hill Johnstone e da maquiagem de Dick Smith, que progressivamente vai tirando as cores de Kay (no começo em vermelho/rosa) e que quanto mais se relaciona com Michael perde completamente a cor (como se perdesse a vida). Maquiagem que por sinal, se aplica a Brando, que fez questão que seu personagem parecesse um bulldog.
Porém, a uma cena e uma sequência (a minha preferida de todo o longa), que marca a genialidade de Coppola. Quando Vito e Michael, que sabem Barzini matou Sonny (o longa tem vai fazer 50 anos, desculpe leitor pelos spoilers), ijá Michael olha o pai, com um ódio contido por concordar. E a um plano perfeito que demonstra isso quando Brando olha para a esquerda de costas para Pacino, marcando o passado e o futuro.
E a sequência, pois a morte de Vito no Laranjal (laranjas que é um signo utilizado pelo diretor em toda trilogia indicando quem irá morrer), é a sequência do Batismo. O Batismo não é somente do filho de Michael, mas dele próprio. Em uma sequência com uma montagem perfeita utilizando raccords de movimento e a música da Igreja, ora diegética e também extra diegética, Michael mente para Deus e se torna uma espécie de Diabo, enquanto todos os seus inimigos morrem.
Se Coppola começa suas histórias com festas (e assim em toda trilogia) e final não poderia ser mais trágico. Temos um novo Don, mas as diferenças com seu pai serão evidentes já nesse longa e nas continuações. E o final onde Michael e Kay são separados por um simples gesto de fechar de porta, potencializa como o novo Padrinho conduzirá sua vida e a família.
O Poderoso Chefão é uma obra prima do cinema. Em todos os aspectos, Francis Ford Coppola fez um longa irretocável. E sinceramente, não importa se ele é o melhor filme de todos os tempos ou não. Pois faz 50 anos que assistimos e reassistimos maravilhados essa saga, que é sem dúvida uma das melhores que a sétima arte produziu.