Por Daniel Bydlowski*
Quando Barry Jenkins ergueu a estatueta depois de La La Land ter sido erroneamente anunciado como ganhador, Jenkins disse que mesmo em seus sonhos não acreditava que poderia ganhar: “Para o inferno com os sonhos”, disse ele, “isto é realidade.” Esta simples celebração revela algo mais do que um momento de euforia por parte do cineasta.
Momentos antes do diretor receber seu Oscar, e enquanto a produção de La La Land ainda achava que tinha ganhado o prêmio, um dos produtores do musical defendia a importância de sempre sonhar. Claro, isto não é uma coincidência. Enquanto La La Land é um filme esperançoso, que acha um lugar feliz para as tribulações da geração Y por meio de um bonito sonho musical, Moonlight mostra a realidade e os problemas enfrentados pela minoria gay afro-americana vivendo em um bairro pobre de Miami. Portanto, sonho e realidade fazem parte das diferentes visões de mundo desenvolvidas pelos filmes.
Nesta 89ª edição do Oscar, quem ganhou foi o enfoque na realidade. Isto não impede da história de Moonlight ser contada de maneira poética e original. O filme funciona como um poema em três versos, mostrando a angústia de Chiron (interpretado por Alex Hibbert, Ashton Sanders e Trevante Rhodes), desde sua infância até a vida adulta. A confusão e constrangimento por ser homossexual e a constante falta de afeto nunca cessam para o personagem.
O longa é dividido em três capítulos, com títulos referentes a como o protagonista vê a si mesmo em diferentes momentos de sua vida. A primeira parte, intitulada “Little” (Pequeno), mostra Chiron como uma criança envergonhada e que sofre bullying. É aqui também que conhecemos a figura paterna de Chiron, Juan (Mahershala Ali), um traficante de drogas. O contraste entre a figura introvertida de Chiron e a figura forte e perigosa de Juan faz parte de uma narrativa cheia de contradições que, como a realidade, não dá ao espectador um caminho claro a seguir.
À segunda parte do filme é dado o nome do protagonista, Chiron, que descobre a si mesmo, bem como sua sexualidade, ao lado de seu amigo de infância Kevin. Não é por coincidência que a figura paterna de Chiron morre nesta etapa, dando a mensagem ao adolescente de que, agora, terá que cuidar de sua própria vida. Porém, qualquer tentativa de entender qual seu papel no mundo é destruída quando Kevin, pressionado pelos bullies, agride Chiron para a diversão dos outros.
A parte final do filme é intitulada “Black” (Negro), quando o protagonista já está adulto e torna-se traficante de drogas, assim como sua figura paterna foi. Em outras palavras, Chiron vira o estereótipo de seu bairro. O protagonista se transforma em um homem afro-americano forte, que não acha soluções para seus problemas, mas os esconde no passado.
Moonlight é marcado pelo uso de contradições, que mostram a impossibilidade de caracterizar uma pessoa de maneira simplificada. A escolha da fotografia e da trilha sonora está de acordo com tal estilo. Por exemplo, enquanto a atuação é realista, as cenas possuem cores vibrantes e fortes.
O hip hop e R&B fazem parte da vida do protagonista e músicas clássicas são intercaladas de forma inesperada. Até mesmo o estilo do filme, que lembra muito In the Mood for Love (Amor à Flor da Pele, produção asiática dirigida por Wong Kar-Wai em 2000) por conta da paleta e uso de slow motion, contrasta fortemente com o que é esperado do gênero. O resultado é um verdadeiro poema sobre a realidade difícil do personagem, onde cada uma das partes do filme está em conflito e harmonia.
Barry Jenkins, que colocou muito de sua própria vida no filme, consegue aliar a busca pelo afeto humano que todos compartilham e a ausência de respostas fáceis para enfrentar problemas. É vivendo na realidade, e não nos sonhos, que o cineasta criou seu filme. E é por este motivo que Moonlight pode quase ser considerado o oposto de La La Land, deixando a competição entre os filmes, e os erros da premiação, muito mais interessantes.
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*Daniel Bydlowski é cineasta brasileiro com Master in fine Arts pela University of Southern of California e doutorando na University of California, em Santa Barbara, nos Estados Unidos. É membro do Directors Guild of America. Trabalhou ao lado de grandes nomes da indústria cinematográfica como Mark Jonathan Harris e Marsha Kinder em projetos com temas sociais importantes. Atualmente, está produzindo Nano Éden, primeiro longa em realidade virtual em 3D.