Adam Sandler é um artista com carreira bastante irregular. Iniciando no stand up, o comediante ficou famoso nos anos 90 como membro do programa de esquetes Saturday Night Live. Logo conquistou as telas de cinema com títulos bem quistos pelo público como “Billy Madison – Um Herdeiro Bobalhão” (Billy Madison, 1995), “Afinado no Amor” (The Wedding Singer, 1998), “O Rei da Água” (The Waterboy, 1998) e “O Paizão” (Big Daddy, 1999), entre outros.
No final dos anos 90, fundou sua própria produtora, chamada Happy Madison (junção de dois dos seus primeiros personagens, o golfista Happy Gilmore e o bobalhão Billy Madison), que deu mais poder ao ator, agora produtor, e as produções começaram a degringolar. Há coisas intragáveis como Zohan, um agente bom de corte (2008), Cada um Tem a Gêmea que Merece (2011) e Este é meu Garoto (2012), todos nomeados ao Framboesa de Ouro. Apesar de já ter se provado como bom comediante e ter seu talento reconhecido até em produções dramáticas, como “Embriagado de Amor” (Punch-Drunk Love), “Reine Sobre Mim” (Reign Over Me) e o mais recente “Joias Brutas” (Uncut Gems), as obras produzidas por Sandler dificilmente alcançam o nível de qualidade de seus primeiros trabalhos.
Em 2014, o ator assinou um contrato com a rede de streaming Netflix para estrelar e produzir seis produções. Neste sentido, o editor-chefe do Clube Cinema, Daniel Herculano, me propôs um desafio: assistir e comentar sobre estas produções – exceto o stand up “100% Fresh” (Idem, 2018), por não se tratar de uma obra cinematográfica propriamente dita. Eu, como bom hater de Adam Sandler (pelo menos dos filmes de sua produtora), não pude evitar uma aversão à tarefa, mas ao mesmo tempo, achei que poderia ser uma interessante experiência, justamente pela falta de identificação.
Sendo assim, apreciei as obras em questão na ordem em que foram lançadas. Venho aqui expor meu “diário de bordo” sobre a tortuosa semana.
Dia 1: Já comecei minha jornada frustrando a menor das expectativas. Os 6 Ridículos (The Ridiculous 6, 2015) é o pior filme da lista! Uma paródia de western cuja pretensão é alcançar os padrões mais baixos da franquia “Todo Mundo Em Pânico” (Scary Movie, 2000). Sandler interpreta um guerreiro imbatível criado por índios que parte em busca do pai biológico sequestrado por bandidos. No caminho, ele conhece 5 irmãos com diferentes “habilidades”, formando um grupo de 6 filhos para salvar o pai. O elenco conta com nomes de peso como Harvey Keitel e Nick Nolte, embora estes talentosos atores sejam reféns do roteiro paupérrimo sem um pingo de graça. O longa rende apenas risos de vergonha alheia, principalmente com as atuações dedicadas, mas ridículas, de Taylor Lautner e Jorge Garcia. A única coisa útil que o filme tem a oferecer é o próprio título, que cai como uma luva para caracterizar a produção.
Dia 2: De manhã, ao despertar de sonhos inquietantes sobre a bomba que havia assisto na noite anterior, percebi que ainda restava um longo caminho pela frente. O segundo filme foi Zerando a Vida (The Do-Over, 2016), onde Sandler divide o protagonismo com seu colega de elenco do Saturday Night Live, David Spade. No enredo, dois amigos de infância com sonhos frustrados e rotinas decepcionantes decidem forjar a própria morte para recomeçar a vida com outros nomes em outro lugar. Porém, acabam se envolvendo em um esquema criminoso que têm que resolver para salvar a própria pele e suas novas identidades. O filme tem a mesma proposta de “Debi & Lóide: Dois Idiotas em Apuros” (Dumb and Dumber, 1994), “Um Ninja da Pesada” (Beverly Hills Ninja, 1997), e outras comédias dos anos 90, onde personagens completamente despreparados resolvem algo grandioso. Embora consiga tirar sorrisos pontuais (sem nem mostrar os dentes), não chega nem perto das obras mencionadas, com trama pseudo-complexa que abusa da suspensão de descrença.
Dia 3: Depois de um filme ruim e outro pior ainda, não pude deixar de ter certa esperança de que Adam Sandler e sua trupe tivessem se preocupado em elevar minimamente o nível de suas produções. Determinado, tentei esquecer o que havia visto antes e apertar o play em Sandy Wexler (Idem, 2017) de cabeça aberta. Ainda bem que não me decepcionei tanto, pois no fundo, sabia que viria outra obra intragável, e foi justamente o que aconteceu. O roteiro até tenta mudar um pouco a estrutura da narrativa, com recortes de vários convidados especiais (todos aqueles que Sandler sempre carrega para suas produções e mais um pouco) falando sobre suas impressões sobre o personagem-título, preparando o espectador para a história deste. Mas isso é o máximo de “ousadia” que se espera de um filme da Happy Madison. Quando Sandy Wexler entrou em cena, eu preferi ter ficado só com as participações especiais. Sandler opta por uma atuação forçadíssima, parecido com o que fez em “Um Diabo Diferente” (Little Nicky, 2000), considerado um de seus piores trabalhos. O filme segue um agente artístico fracassado que conhece uma excelente cantora em início de carreira. O enredo chamou um pouco minha atenção por se passar no contexto do mercado musical, algo que me interessa muito pessoalmente. O elenco conta até com ótimas participações de músicos, como Quincy Jones e a esforçada Jennifer Hudson (Oscar de atriz coadjuvante por Dreamgirls, 2006). Entretanto, o humor fraco e a metragem demasiada longa para a história simples que se propõe contar tornam a experiência exaustiva.
Depois do filme, convencido de que dali pra frente seria apenas ladeira abaixo ou pelo menos uma tediosa planície, resolvi assistir a outro longa da lista na mesma noite. Sim, na pressa de acabar mais rápido, eu preferi uma tortura maior em um dia do que mais dias de tortura. Foi aí que veio a primeira e única surpresa. Talvez pela ausência total de expectativas, acabei gostando de Lá Vêm Os Pais (The Week Of, 2018). Uma comédia dramática familiar com bom roteiro e ótima interação entre os personagens, que são muitos. A história não poderia ser mais simples, com duas famílias passando uma semana juntas porque seus filhos vão se casar. Ironicamente, o filme mais dramático da lista foi o único que me fez rir genuinamente, com um humor orgânico de situações cotidianas.
Dia 4: Com ares renovados e com a alegria de perceber que este era o último filme da lista, assisti à Mistério no Mediterrâneo (Murder Mystery, 2019). O filme se tornou a maior estreia da Netflix até hoje, superando “Bird Box” (Idem, 2018), em termos de audiência. Além disso, conta com Jennifer Aniston no elenco, atriz que já provou seu ótimo timing para comédia tanto na série “Friends” (Idem, 1994 – 2004) como em outras produções do gênero (“A Família do Bagulho”, 2013). Desse modo, eu esperava algo pelo menos mediano. O enredo segue um casal que vai passar as tão sonhadas férias na Europa e acabam se envolvendo em uma trama complexa de assassinato à la Agatha Christie. De fato, o filme não é tão ruim quanto os três primeiros da lista, mas é superestimado. Embora tenha sido um pouco “menos mediano” do que eu esperava, não chegou a decepcionar tanto. É uma obra que compensa seus defeitos em suas qualidades, resultando em algo nulo. Esta experiência só me fez comprovar o que já pensava: Adam Sandler é muito melhor em papéis dramáticos do que em comédia e, neste gênero, mostra mais talento em filmes que não são da sua produtora Happy Madison.
Apesar da minha experiência pessoal negativa, no geral, os assinantes da Netflix parecem gostar muito dos filmes de Adam Sandler. Prova disso é que a plataforma de streaming fechou um novo acordo para mais quatro produções com o ator/produtor. Só desejo sorte para Sandler e seus fãs. Pra mim, já deu!