O tema da Máfia sempre foi um tema recorrente no Cinema de uma forma geral, e em Hollywood não é diferente. Desde sempre já vimos todo tipo de produção com personagens ou narrativas envoltas na Máfia, sejam em superproduções glamourosas, ou quanto em filmes mais simples e violentos. Voltamos para 1991, exatamente 30 anos atrás, para relembrar de um trio de filmes mafiosos que tinham tudo para estar no topo das bilheterias americanas. Mas a realidade não foi bem assim.
Um ano antes, a indústria americana já havia se deliciado com o retorno da Família Corleone em O Poderoso Chefão – Parte III (The Godfather – Part III, 1990), com uma bilheteria animadora e nomeações ao Oscar e Globo de Ouro. Além do ápice artístico de Martin Scorsese com Os Bons Companheiros (Goodfellas, 1990), vencedor do Oscar de melhor ator coadjuvante, e com outras indicações, incluindo melhor filme e diretor. Mas vamos falar de 1991…
Para começar temos Império do Crime (Mobsters, 1991) de Michael Karbelnikoff. Sua estreia mirava as gordas bilheterias do Verão americano, além da tentativa de transformar seu jovem elenco em astros instantâneos ao lançar novos rostos bonitinhos em Hollywood e consolidar nomes promissores à época. Sua trama focava na amizade entre quatro homens que se formaram nas ruas, escolados em crimes, e que não se importam de usar a violência para alcançar a vida que desejam. Eles eram os então jovens Lucky Luciano (Christian Slater; Amor à Queima-Roupa, 1993), Bugsy Siegel (Patrick Dempsey; Namorada de Aluguel, 1987), Meyer Lansky (Richard Grieco; Espião por Engano, 1991) e Frank Costello (Costas Mandylor; Assassino Virtual, 1995), e não confiavam em ninguém, apenas uns nos outros, fator vital para o sucesso como mafiosos. Para equilibrar o talento do elenco, temos os veteranos Anthony Quinn (Oscar de melhor ator por “Zorba, O Grego”; 1964), F. Murray Abraham (Oscar de melhor ator por “Amadeus”; 1984) e Michael Gambon (indicado ao Globo de Ouro por “Bastidores da Guerra”; 2002).
A brincadeira com os jovens mafiosos custou aos cofres do estúdio Universal US$ 23 milhões de dólares. O mais barato do trio de 1991, porém o menos ambicioso também, se mostrando uma fita de ação tipo “passatempo”. Estreando na temporada mais concorrida em termos de bilheteria – em pleno Verão americano, no dia 26 de julho de 1991 – e terminou sua jornada com apenas US$ 20,2 milhões em caixa.
“”Império do Crime” é um “Poderoso Chefão” com espinhas (…) e com tanto cabelo bem laqueado e penteado para trás, chega as balas ricocheteiam neles. O orçamento deve ter estourado e tanto mousse pra cabelo. É maravilhosamente fotografado (pelo húngaro Lajos Koltai) e suntuosamente equipado por seu diretor, Michael Karbelnikoff, que continua impulsionando a ação, embora às vezes a esmo (…) dando a saga uma espécie de falsa grandiosidade. (…) O filme refaz praticamente todas as imagens de gângster já feitas, desde “Scarface” (de Howard Hawks) até “Era Uma Vez na América” (Sergio Leone), às vezes até mesmo com cenas idênticas. Mas todos os atores parecem verdes demais para cumprir seus papéis, é como se eles estivessem usando as roupas do papai. (…) E quando essa gangue de garotos-propaganda vai para a guerra, é como se estivessem lutando para livrar o mundo de todas as pessoas cujos sorrisos não são brilhantes.” [Escreveu no Washigton Post o crítico Hal Hinson, na estreia do filme].
Dupla de olho no Oscar
Agora chegamos ao supra sumo da máfia de 1991 em Hollywood. Pelo menos é o que seus produtores achavam.
Billy Bathgate (data de estreia 1/11) e Bugsy (estreou em 13/12) tinham o lastro de grandes produções de estúdios gigantes (Disney e Columbia-TriStar, respectivamente), todos carregavam um alto custo de produção, grande elenco (que incluíam estrelas e atores consagrados) e diretores veteranos. E com um objetivo em comum; seus produtores procuravam não apenas em reaver seus investimentos, mas que projetavam ainda ganhar o reconhecimento do grande prêmio da indústria, o Oscar.
Billy Bathgate: O Mundo a seus Pés (Billy Bathgate, 1991) de Roberto Benton: No ano de 1935, um adolescente chamado Billy Bathgate (Loren Dean) encontra o primeiro amor ao se tornar o protegido do gângster Dutch Schultz (Dustin Hoffman). O que seria uma narrativa da passagem da infância à idade adulta, através do mundo do crime e da corrupção, em que homens de smoking são jogados vivos ao mar com os pés cimentados, desafetos são degolados em cadeiras de barbeiro, policiais servem de mensageiros para as quadrilhas e políticos recebem subornos para proteger os criminosos, o que se percebe é que a história falta tempo para maturar. Conforme noticiado à época, houve intervenção do estúdio na produção. Com receio de ter um filme longo, as tramas foram encurtadas, e personagens secundários com chance de terem seus momentos de brilho, como Bruce Willis, Steve Buscemi, Steven Hill, Moira Kelly e Stanley Tucci, todos reduzidos à quase nada. Segundo o New York Times, o cronograma de filmagens foi estendido, rumores de confrontos de personalidade foram relatados no Set e um novo final foi filmado. Mas o maior peso em questão é seu jovem protagonista, Loren Dean, sem capacidade de bater de frente com o Dutch Schultz de Dustin Hoffman. Nicole Kidman ainda consegue cativar num papel que a envolve num triângulo amoroso em meio à ascensão ao poder do jovem Billy Bathgate, e naquela temporada seu charme extra foi lembrado com uma indicação ao Globo de Ouro de coadjuvante.
Baseado no livro de E.L. Doctorow, a obra foi adaptada pelo dramaturgo Tom Stoppard, indicado ao Oscar pelo roteiro original de Brazil: O Filme (1985), e que viria a ganhar o Oscar anos depois com Shakespeare Apaixonado (1998). Custou US$ 48 milhões aos cofres da Touchstone Pictures, uma subsidiária da Disney para filmes mais sérios, e naufragou nas bilheterias com míseros US$ 15,5 milhões arrecadados. Tecnicamente, é um primor. Patrizia von Brandenstein, a designer de produção, recriou lindamente o visual da Grande Depressão da América de meados da década de 1930. Na direção, um calejado Robert Benton. Vencedor do Oscar de Melhor Filme, Direção e Roteiro por Kramer Vs. Kramer (1979), e do Roteiro Adaptado de Um Lugar no Coração (1984). Após o fracasso de Billy Bathgate, voltaria a ser indicado (Roteiro Adaptado) pelo belo O Indomável – Assim é Minha Vida (1994).
Em uma crítica da época, resgato o registro da Variety, que vê qualidades no longa, mas lhe falta centro: “Esse drama refinado e inteligente sobre mafiosos é consideravelmente atraente para a mente, mas tem pouco impacto no intestino (ou na violência), o que não é exatamente como deveria ser nos filmes de gângster.” Já David Ansen, da Newsweek, foi mais duro e cravou em novembro de 1991 que “Billy Bathgate não é uma vergonha, mas é um quebra-cabeça. Assistindo, você não consegue localizar a paixão que atraiu os cineastas em primeiro lugar.”
Agora, o mais aclamado do trio.
Bugsy (1991) de Barry Levinson: Em Nova York do início dos anos 40, dois sócios de Bugsy Siegel (Warren Beatty) tentam descobrir uma maneira de participar dos lucros da Costa Oeste e mandam Bugsy para Los Angeles, com intuito de dividir o espaço (e a grana) com o chefão local. Mas esta viagem, prevista para durar apenas quatro dias, leva a vida toda. Bugsy se apaixona pela cidade, pela linha de produção dos filmes hollywoodianos e, principalmente, pela atriz Virginia Hill (Annette Bening). Fincando terreno em Hollywood, passa a conquistar a atenção de todos ao seu redor, seja através da violência, do seu carisma, ou dos dois. Sua história ganha novos rumos ao transformar o sonho de construir um luxuoso hotel-cassino em pleno deserto de Nevada em realidade ao utilizar o dinheiro da máfia. Detalhe, esse tal hotel-cassino foi quem impulsionou Las Vegas, cidade reconhecida como a primeiro da futura meca das apostas e diversão. Produção da TriStar Pictures, teve um lançamento limitado em 13 de dezembro de 1991, seguido por um lançamento amplo nos cinemas americanos em 20 de dezembro de 1991. Em sua grande maioria, Bugsy recebeu críticas positivas, chegou forte na temporada de premiações, mas não conseguiu ser um grande sucesso de bilheteria. Para um orçamento de US$ 30 milhões, arrecadou US$ 49,1 milhões de dólares. Como disse, era um dos grandes nas principais premiações, ganhando o Globo de Ouro de Melhor Filme (drama) e teve outras sete indicações. Concorreu ao Urso de Ouro em Berlim e recebeu 10 nomeações ao 64º Oscar, incluindo de Melhor Filme e Melhor Diretor para Barry Levinson. E parecia que seria o filme do ano na Academia. Cineasta no comando da obra, Barry Levinson, vencedor do Oscar de Filme e Direção por Rain Man (1988), e nomeado pelos roteiros originais de Justiça para Todos (1979), Quando os Jovens se Tornam Adultos (1982) e Avalon (1990). Além de ser a estrela do projeto, Warren Beatty (Oscar de Melhor Diretor por Reds, 1981, também nomeado ao prêmio de Melhor Filme) também produziu, e conseguiu um elenco de grandes nomes (Annette Bening, Harvey Keitel, Ben Kingsley e Joe Mantegna). Porém, Bugsy não levou, e acabou sendo devorado pela canibalismo esplendoroso de O Silêncio dos Inocentes (1991) - vencedor dos cinco prêmios principais da noite (Filme, Diretor, Roteiro Adaptado, Ator e Atriz), o que lhe restou duas estatuetas técnicas: Oscar de Desenho de Produção e Oscar de Figurino. Kenneth Turan, do Los Angeles Times, escreveu na época do lançamento de Bugsy que "enquanto “Mobsters” (Império do Crime) cobriu os estágios iniciais da vida de Siegel, “Bugsy” (um apelido que ele aparentemente odiava) o pega na meia-idade com uma casa e família na chique Scarsdale e um mandato de seus colegas mafiosos em Nova York, Meyer Lansky (Ben Kingsley) e Charlie Luciano Bill Graham) (...) O roteirista Toback não apenas dividiu habilmente "Bugsy" em três partes, mas também trouxe seu dom para diálogo sombrio e espirituoso para cada um deles. Primeiro encontramos o Sr. Siegel e entendemos que é tão capaz de assassinato a sangue frio, quanto generosidade casual. Em seguida, observamos sua paixão crescente pela garota dos bons tempos e atriz de filmes B, Virginia Hill (Annette Bening), além de seu surgimento (ajudado por uma amizade com George Raft, interpretado por Joe Mantegna) como um elemento fixo na cena social de Hollywood. Finalmente, nós o vemos surgindo com a ideia de criar Las Vegas, uma meca do jogo no meio do deserto, e o vemos tentar transformar seu sonho em realidade. (...) Grande parte da diversão de assistir a este filme tão seguro é ver com que brio enérgico o ator assume o manto do mafioso J. Edgar Hoover uma vez chamado de "o homem mais perigoso da América".