Título: Las Novias de la Yihad | Autor: Ángela Rodicio | Leitor: Livia Deorsola (crítica literária)
Depois de trinta anos cobrindo o Oriente Médio, a jornalista espanhola Ángela Rodicio, quando quis escrever sobre o triste fenômeno das jovens e das mulheres que se radicalizam a ponto de se casarem com terroristas jihadistas, notou que o mais frutífero seria buscar suas personagens fora dos territórios muçulmanos.
O grande espanto, em princípio, se deu quando ela percebeu ser em território europeu que estava grande parte das vítimas, e que elas não provinham necessariamente de contextos sociais miseráveis. Longe disso: muitas vezes bem formadas, frequentadoras de boas universidades, as jovens que se deixam levar pelas promessas de integrantes de grupos terroristas têm, em geral, um perfil que nos faz repensar estereótipos.
Las novias de la Yihad (ganhador do Prêmio Espasa de 2016) é um livro completo e bem feito, porque não traça apenas uma análise sociológica da questão: bebendo diretamente na fonte – ou seja, dando voz às envolvidas, às convertidas ao islã (ou melhor: a uma variante destorcida da religião), muitas vezes transcrevendo palavra por palavra –, a publicação traz o melhor do jornalismo investigativo. Em todo o percurso, Ángela evita julgamentos e assombros estéreis; em vez disso, compõe um quadro amplo que inclui também questões geradas em território europeu. Dito de outra forma, a jornalista não segue pelo caminho fácil de ver “no outro” – o islã, a vida não ocidental etc. – a semente do fenômeno trágico.
Um ponto importante que a autora levantou ao longo de tantas entrevistas diz respeito ao vazio existencial percebido em grande parte das mulheres que se deixam cooptar; tal vazio parece ser preenchido por crenças ancestrais, que vão desde uma narrativa de heroísmo masculino – os homens jihadistas em geral vendem às moças e mulheres a ideia de que eles são bravos guerreiros lutando contra o massacre ocidental – até a noção romântica de que as candidatas a esposa serão princesas a serem bajuladas. Tudo isso, alerta a autora, encontra eco não nas ilusões islâmicas, mas, sim (ou sobretudo), nas ilusões que nasceram no Ocidente. O resultado em quase 100% dos casos é que as mulheres radicalizadas abandonam tudo – família, emprego, amigos – para seguirem seus falsos príncipes. As jovens que em geral se deixam levar têm algumas características em comum: vivem um quadro familiar deficiente, sem comunicação com os pais e de muita vulnerabilidade psicológica.
O que até agora se sabe é que um contingente de 5 mil mulheres, a maioria do Reino Unido, França e Bélgica, mas também da Dinamarca e da Holanda, se tornaram escravas sexuais ou foram mortas. O fato é que quase nenhuma conseguiu voltar para casa. “O motor desta viagem mental e depois física é o conflito interior de uma nova geração de adolescentes que procuram preencher um vazio com promessas de que vão participar de uma utopia, para os muçulmanos radicais chamada de califado da época abássida”, explica a autora.
Se as ilusões plantadas se remetem a tempos medievais, os instrumentos usados para enganar as vítimas são os mais tecnológicos: a Internet e suas redes sociais. É ali que mora o perigo para aquelas que, na solidão ou frustração de suas vidas cotidianas, se lançam sem critério às promessas de seus futuros algozes. Vídeos elaborados, fotos, declarações e um sem número de mentiras são o conteúdo favorito dos jihadistas. Nesse aspecto, o relato de Rodicio ganha ainda mais importância: com uma análise político-estratégica, ela desenha um mapa de forças em que a comunicação está no centro.
Creio que, embora seja este um universo que pareça muito distante da realidade brasileira, é um assunto que deve interessar a variados leitores, porque está na pauta mundial – conectado ao terrorismo e à violência – e porque, a partir dele, se podem fazer uma série de conexões com acontecimentos mais domésticos, no que diz respeito à situação das mulheres em condições vulneráveis. Além de tudo, se trata de uma narrativa viva e poderosa, em que os personagens parecem ter saído de um filme. Infelizmente, não.
Resenha literária publicada originalmente no site New Spanish Books.