Brasília, 20 de setembro de 2017*
“O Nó do Diabo” (2017) de Ramon Porto Mota, Gabriel Martins, Ian Abé e Jhésus Tribuzi: Cinco contos de horror que se passam em uma fazenda tomada por horrores há mais de 200 anos. Cinco encontros com a morte, e um nó que não se desata.
Regredindo de 2018 até 1818, o filme episódico se passa no mesmo cenário – uma fazenda na qual se praticou a escravidão no Brasil colonial – e que apresenta uma mesma família como centro da história, os Vieira. Donos de engenho de cana, são racistas, reduzem as mulheres como serviçais (e escravas também do sexo), extremante violentos e que acreditam que pelo seu poder econômico, podem resolver tudo na bala.
Na trama, que dá voz e luta aos escravos, há o místico, a fantasia, a tensão, o horror e (muito) gore. Contudo, os gatilhos do terror são trabalhados sem nenhum sutileza ou paciência.
Se há um massacre, é previsível a vingança dos mortos-vivos (Capítulo 2018). Se um personagem se machuca com um objeto estranho, a ferida do dedo é óbvio que vai corroê-lo de alguma forma – além da loucura (Capítulo 1987). E apesar da previsibilidade, o medo invade cada uma das sequências, com uma sensação asfixiante até o seu final. Ponto para o diretor, Gabriel Martins.
Ao acompanharmos duas negras sendo humilhadas e obrigadas à deitarem com seus senhores, a vingança está mais que pronta no nosso imaginário. E é mais clara quando, uma já se mune de uma faca e a outra possui poderes paranormais (como queimar alguém com suas mãos em chamas). Claro que a primeira vai fazer o sangue escorrer, e a segunda utilizará seus poderes em um momento limite (Capítulo 1921).
E após a morte da esposa e do seu filho, ainda bebê, um escravo estourada à base da pedrada uma cabeça (Capítulo 1871) numa libertação violenta de seus senhores. Na sua fuga – e com um bebê morto à tiracolo – o suspense dá lugar às muitas falas, desta feita lendas em forma de frases de efeito, que são soltadas quase que de forma pasteurizada. É o mais pretensioso do conjunto, e um dos que mais falha em sua narrativa, que se torna arrastada e nada surpreendente.
E o apelo ao gore atinge o máximo ao final (Capítulo 1818), onde o longa atinge o fundo da cova. Escravos em fuga se refugiam em um cemitério abandonado, numa especie de cerco ao estilo de The Walking Dead, no confronto (peba) com seus ex-senhores tem facão enterrado em cabeça, explosão de cérebro, cabela decepada, jorro de sangue e um chamamento crucial à uma lenda ancestral.
Para além do cenário e a família como protagonista, percebemos a repetição de objetos e questões em cena que conectam suas histórias de alguma forma. Seja ele um cordão/amuleto, uma cabeça de um escravo enterrada com uma focinheira (que depois reaparece em plena função aprisionadora), o espirito que ressurge com os olhos de sangue, a parede queimada – que acompanhamos como -, e a recorrente questão dos mortos-vivos.
Comumente, um filme de contos não é fácil de se manter com um mesmo nível entre suas histórias. E do resultado final de O Nó do Diabo (2017), só consigo ver coisas boas no segundo episódio (o melhor, disparado) e algo de regular no primeiro (tenso e misterioso até, mas previsível). A produção ganha bons pontos pela seu teor técnico (fotografia, montagem, e design de som bem eficientes, e efeitos práticos e maquiagem até bons), mas os últimos três contos não são bons, e pioram a cada vez que penso mais em cada um deles.
* Jornalista viajou à convite do Festival.