Orçado em 7 milhões, “Praia do Futuro” estreia dia 11 de fevereiro na competição oficial do Festival de Berlim, e busca repetir o feito de Tropa de Elite (2007) e Central do Brasil (1998), vencedores do Urso de Ouro em Berlim de melhor filme. A obra é dirigida e co-escrita por Karim Ainouz, e conta a história de um salva-vidas (Wagner Moura) que trabalha na Praia do Futuro, em Fortaleza (CE). Depois de passar por um trauma emocional, conhece um motoqueiro alemão (Clemens Schick) e parte em busca de uma nova vida na Alemanha. Oito anos depois, seu irmão (Jesuíta Barbosa), que o tinha como ícone, parte em busca de respostas.
Antes de embarcar para a Alemanha, o cineasta cearense Karim Ainouz recebeu o Clube Cinema para uma conversa franca, leve e com revelações cinematográficas.
Clube Cinema: Seus roteiros já estiveram entre os melhores festivais de cinema – Abril Despedaçado (2001) concorreu ao Globo de Ouro de Filme Estrangeiro e o BAFTA; Cidade Baixa (2005) e Cinema, Aspirinas e Urubus (2004) ganharam prêmios especiais em Cannes. Qual o sentimento de competir pelo Urso de Ouro no Festival de Berlim com “Praia do Futuro” e como consequência o filme ter mercados internacionais para desbravar?
Karim Ainouz: Fazer uma co-produção internacional como “Praia do Futuro” (Brasil/Alemanha), que não é somente dinheiro, mas colaboração cultural entre dois países também, e de transformar a nossa história em algo universal, compreensível em qualquer lugar que seja visto. É sair da concha com substância e reconhecimento.
E “Praia do Futuro” é um filme que começa no meu coração, que fala de muitos lugares que eu sou apaixonado, de assuntos que são importantes para mim, e estreá-lo no Festival de Berlim já é uma vitória. Poxa, desde de Tropa de Elite (que ganhou o Urso de Ouro de melhor filme em 2008) que o Brasil não tinha um filme na competição do Urso de Ouro… Linha de Passe (2008) do Walter Salles disputou Cannes em 2008 e só. De lá para cá nenhum outro filme do Brasil se destacou nesses grandes festivais, de suma importância para o cinema.
Clube Cinema: Filmado em 2011 e com estreia marcada para 2014, porque o “Praia do Futuro” demorou tanto para sair do forno?
Karim Ainouz: Demorou muito porque na verdade o meu último filme – Abismo Prateado (2011), que eu adoro – saiu muito rápido e eu fiz isso de propósito. Entre escrever o roteiro e a estreia do filme, demorou um ano. Já o “Praia do Futuro” eu quis fazer ele no meu tempo, filmar e montar do jeito que eu queria. Filmado em dois países (Brasil e Alemanha), eu primeiro decidi começar por Berlim. Eu trabalho com a mesma montadora há mais de 15 anos (Isabela Monteiro de Castro, a mesma de todos os seus filmes) e fiz um combinado com ela. Depois de finalizar o material captado fora, decidi montar tudo o que havia filmado, para depois passar para o segundo momento, no Brasil.
Normalmente os prazos de montagem de longas são de 12 semanas ou três meses, mas esse filme eu quis fazer ele no meu tempo, de uma forma digamos, artesanal. Tipo vinho, sabe, maturando, porque eu tenho um processo de filme que não se conclui no roteiro, algo pode acontecer enquanto o filme é montado… Você chega a ver o mesmo filme na sala de montagem, sei lá, 500 vezes, e tem uma hora que você não vê mais. Eu sou um cara que não vim da escrita, eu vim da imagem (Ainouz é formado em arquitetura), por isso acredito que é importante sempre manter um olhar encantado sobre suas imagens, e parece que deu certo.
Clube Cinema: Seus filmes sempre trazem personagens muito humanos, fortes e com certas peculiaridades, vide Madame Satã (2002), O Céu de Suely (2006) e Abismo Prateado (2011). Em Praia do Futuro, como você desenhou seus personagens, e o protagonista real da história é Wagner Moura ou Jesuíta Barbosa?
Karim Ainouz: Na verdade ele conta a história de uma maneira muito simples – um salva-vidas da Praia do Futuro (Wagner Moura), que some de Fortaleza, e seu irmão (Jesuíta Barbosa), que o considera um herói da vida real, que entra no mar, que é corajoso, vai atrás da verdade por trás do seu desaparecimento. Os dois personagens são centrais da trama, mas o personagem do Wagner Moura tem um pouco mais de importância, pois está presente no filme inteiro.
Sobre a relação de proximidade com os meus outros filmes, na verdade em “Praia do Futuro” eu parto um pouco mais para a aventura e cumpro uma vontade de criar personagens masculinos, e que eu fale de duas questões muito importante hoje para o mundo: o medo e a coragem, dissonantes, mas complementares. O mundo hoje está imerso num conservadorismo e o ar do nosso tempo é pautado por isso. Eu sou de uma geração onde se arriscou muito, então o filme fala muito dessa questão de pessoas que se arriscam, que se aventuram, que viajam, que mudam de vida, que vão para um outro continente, começam uma outra coisa, vão para um outro planeta, digamos assim. É uma experiência universal, e a partir disso que os personagens foram pensados, imaginados e construídos.
Tem outra coisa que não está presente nos meus últimos três filmes – com exceção do Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo, que é um mergulho vertical sobre personagens femininos, as vezes mais filmes de personas que de histórias. Mas há sentimentos recorrentes, como a questão do abandono, a perda, a partida, mas sem ficar me repetindo.
Clube Cinema: Como você descreveria a sua “aventura” de “Praia do Futuro”? Como o gênero está presente no filme?
Karim Ainouz: Tem uma coisa engraçada no cinema contemporâneo de grande público, que é o cinema de super-herói, filmes sobre histórias em quadrinhos e fitas de ação. Eu queria muito brincar sobre isso, e aqui é filme de super-herói que tira a máscara. “Praia do Futuro” é meu filme de super-herói. Foge de elementos dos meus outros filmes, além dos protagonistas masculinos, que tem uma vontade de ser um filme de ação. Não há aquela ação pasteurizada – com explosões, muitas pessoas que morrem, mil cabeças que rolam, mas aqui eu flerto muito com gênero de ação – tem acidente de moto, afogamento, mas é uma ação que gera vida.
Clube Cinema: Como roteirista você já havia mergulhado no universo masculino e da amizade, com “Cinema, Aspirinas e Urubus”…
Karim Ainouz: Sim, e aumentou mais ainda no Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo (2009) – com o personagem de Irandhir Santos que levou um for a da namorada e passa as suas viagens pelo sertão remoendo suas lembranças, e agora explodiu em “Praia do Futuro”.
Clube Cinema: Após finais tristes (mas espetaculares) de O Céu de Suely (2006), Madame Satã (2002) e no seu roteiro de Cidade Baixa (2005), o seu cinema amadurecido poderá se render ao sentimento de redenção/alegria?
Karim Ainouz: Eu adoro gente, sou fascinado pela complexidade do ser humano, e mais ainda quando a pessoa te surpreende, isso é muito sedutor e me interessa muito. Não acredito nem em vida depois da morte, pois eu acredito que a vida é aqui e agora, portanto a experiência da vida é sempre fascinante. Não me vejo fazendo um filme apenas de trama, por isso que os personagens tem de ser encarnados mesmo.
Não creio que meus filmes sejam exatamente tristes, mas sempre liberando os protagonistas para uma novo momento – sem um fim definido, e é muito interessante ter percepções diferentes da mesma obra. Não gosto muito de pensar que acabou ali, que existe um fim, eu não me vejo com o direito de encerrar a história de um personagem ali, acredito que ele possa se expandir, mudar e se transformar. Não são finais redentores, assumo, mas são finais onde os personagens vão fazer o seu próprio caminho, eu nunca proponho um fim claro.
Clube Cinema: Nos seus filmes os espectadores aproximam tanto esse olhar de pessoalidade que podem criar até relações afetivas com eles (Hermila/Suely; Alice; Violeta; João Francisco dos Santos/Madame Satã; Zé Renato)… Que tal criar um crossover com vários deles?
Karim Ainouz: Já sim! Eu pensei muito em juntá-los sim! Tem sempre os personagens principais, que você abraça, beija, se envolve, eles viram seus amantes… Mas tem sempre os personagens secundários, apaixonantes, mas estão sempre ali fazendo parte do cenário. Conversei dia desses sobre isso com o Marcelo Gomes (co-roteirista e co-diretor de Cinema, Aspirinas e Urubus e Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo) e com o Sérgio Machado (diretor e co-roteirista de Cidade Baixa, junto com Ainouz).
Temos personas que parece que ainda não contamos tudo sobre eles… No Madame Satã (2002) tem o Tabu (interpretado pelo Flávio Bauraqui), que é incrível; em O Céu de Suely (2006) tem a tia da Hermila, a Maria (Maria Menezes), que é fascinante, além do João Miguel, coitado. Eu fico com vontade, não sei se de juntar eles num projeto só, mas talvez soprar esses personagens e dar um novo fôlego de vida a eles, pois eu tenho a sensação de algo que eu não disse ainda. É uma coisa de afeto mesmo.
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Clube Cinema: Se a personagem Hermila (de O Céu de Suely) e encontrasse Alice (da série de TV de mesmo nome da HBO) em São Paulo – quem sabe na TV ao invés do cinema? Tem projetos de voltar à TV fechada?
Karim Ainouz: Vontade dá, mas o problema é que esse é uma experiência que eu ainda não estou preparado. Eu penso em fazer um filme com o Wagner Moura, a Hermila Guedes e o Jesuíta Barbosa, mas com outros personagens, outras peles, outros papéis. Falta a história certa para isso, mas ainda não é o momento.
Sobre a tela pequena, participei de uma série de documentários curtos para a TV alemã (Catedrais da Cultura, produzido por Wim Wenders), que também será exibido de forma especial em Berlim. TV no Brasil, por enquanto não. Fiz Alice (HBO) com o Sérgio Machado, mas o ritmo é muito intenso. Me animo com TV no Brasil, pois em Fortaleza – no laboratório que participei no Porto Iracema das Artes, temos a oportunidade de lançar novos talentos através da exibição na TV do Ceará. A TV brasileira precisa se sofisticar, a americana conseguiu, e a europeia já vem conseguindo.
Clube Cinema: De formação acadêmica americana, você já trabalhou no mercado americano entre 1990 e 1995. Foi câmera, diretor de elenco, assistente de editor de imagens e eletricista em Veneno (1991) de Todd Haynes, editor assistente de Ambição em Alta Voltagem (1995) dos Irmãos Hughes… Tem vontade de filmar fora do Brasil de novo?
Karim Ainouz: Ter uma carreira dita internacional não é exatamente foco… Mas eu já filmei fora! O próprio “Praia do Futuro” (que é uma co-produção Brasil/Alemanha) foi filmado em Berlim. O Céu de Suely (2006), Madame Satã (2002) e Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo (2009) estiveram em festivais internacionais, Abismo Prateado (2011) esteve em Havana.
Eu morei nos EUA 15 anos, mas acredito que a questão é se eu gostaria de filmar em Hollywood… Como você colocou, eu trabalhei bastante por lá no meio cinema, mas agora não tenho essa vontade não. Estou feliz com o meu momento, com o meu cinema. Outras culturas, que não a americana, me instigam mais a curiosidade.
Mas o que me fascina no cinema americano é o grande esquema industrial do processo, no sentido profissional mesmo, isso eu vivi lá. Além da paleta de elenco, com uma infinidade de opções, mas ainda assim eu posso convidar um grande ator para filmar for a dos EUA. Porém, acredito que eu jamais conseguiria fazer um filme que eu não teria o corte final, e no cinema norte-americano isso é comum. Ter uma carreira internacional eu acho ótimo, falar de temas que eu não conheço, é um tesão, mas acredito que não preciso necessariamente estar em Hollywood.
Clube Cinema: Quais são seus próximos projetos?
Karim Ainouz: Pro enquanto eu quero lamber a cria, que é “Praia do Futuro”. Depois de estrear em Berlim, o filme terá uma estreia nacional em Maio e possivelmente em outros territórios pelo mundo. Venho fazendo um projeto atrás do outro, sem atropelo… Ensinar é uma experiência rejuvenescedora, mas fora do circuito de TV e cinema gostaria de lançar um livro de fotografias. Venho fotografando há muitos anos, e espero conseguir faze-lo depois do lançamento de “Praia do Futuro” (que estreia dia 11 de fevereiro no Festival de Berlim e dia 1ª de maio em todo o Brasil).
No cinema tenho três ou quatro projetos no forno. Tenho um monte de coisa para falar sobre o Brasil, sobre outras culturas… Tenho vontade de fazer um filme no Japão, e há alguns anos venho escrevendo um rascunho de uma história sobre a imigração brasileira. É uma coisa muito curiosa, pois os brasileiros de origem japonesa foram ao Japão para viver o milagre econômico na década de 90, mas agora têm de que voltar. No meu roteiro uma menina vai ao Japão aos cinco anos com os pais, e os pais voltam agora e ela fica lá. E tem essa coisa do Japão ser a casa e, ao mesmo tempo, não ser a casa desses brasileiros, e o filme será sobre esse dilema se ela pertence ao Japão, ao Brasil ou a si mesma.
Outro projeto é sobre o meu olhar sobre como Fortaleza mudou nos últimos anos. Eu sempre olho – muito impressionado – para esses grandes prédios que vão surgindo por toda a cidade. Fico pensando, é tanto prédio, será que há tanta gente que possa comprá-los em Fortaleza? Acredito que falta falar disso, no que está se transformando nossa cidade, que identidade ela tem (ou não) – e por consequência as cidades brasileiras. E o meu personagem central será o cara que constrói o prédio, um peão de obras, que faz parte de uma sociedade invisível para a população e está transformando a paisagem da cidade brasileira com as próprias mãos. Esse movimento vertical é indelével, não tem como voltar para trás, não tem como não ter esse tipo de ocupação urbana.
Estou desenvolvendo com e para o Wagner Moura um filme sobre um pastor evangélico, pois estou muito assustado com o que está acontecendo no Brasil. Eu sou ateu, e acho muito louco o que está acontecendo com a religião nesse país, então esse assunto me interesse e me mobiliza muito. Tem o número de fiéis que está participando desses encontros pentecostais, o que está acontecendo ali?
Estou namorando esses três projetos, que me interessam muito, só não sei qual será, de fato, o próximo. O cinema tem o seu próprio tempo, e é importante entender o que é que me mobiliza mais naquele momento.