Eternos Companheiros (2021) por Wing-Cheong Law
O melodrama é um gênero a muito tempo consolidado em diversas mídias, seja, por exemplo: romances, poesias, teatro, filmes, séries, novelas… em todo o mundo. Entretanto, há uma divisão de opiniões em relação a essa categoria de expressão. A quem ame e a quem não suporte os excessos narrativos e dramáticos trazidos com esse tipo de histórias. Adicione então animais a essas narrativas. Para muitos isso somente adiciona o apelo para que nos emocionamos de forma forçada.
Bem, independente disso. O que importa é a qualidade e a forma que as histórias são contadas. E no novo longa do cineasta de Hong Kong, Wing-Cheong Law (A Fúria de Vajra). Eternos Companheiros (Xiao Q/Litlle Q), que estreia nesta quinta-feira (19) nos cinemas brasileiros, é um melodrama bem executado (do tipo bem meloso), mas que emociona. E mais, nos faz refletir sobre a vida, além de ser uma carta de amor aos cães-guias: animais que tem fundamental importância para uma parcela da sociedade e que muitas vezes não recebem o real valor que merecem.
Baseado em uma história real e adaptada do best-seller “The Life of Quill, the Seeing-Eye Dog”, de Ryohei Akimoto e Kengo Ishiguro (que na Ásia atingiu 300 milhões de leitores). Conhecemos o labrador chamado Little Q (Xiao Q), que tem uma marca de nascença curiosa, está treinando para ser um cão-guia para cegos. Com o treinamento completo, ele é enviado para ajudar um famoso chef de cozinha recentemente cego, Lee Bo Ting (ou Li Po Ting ou Li Baoting – interpretado por Simon Yam), um homem irritado e amargurado pela sua atual condição. A princípio ele reluta em confiar no cachorro, tentando afastá-lo diversas vezes. Mas, por meio de sua lealdade e proteção, Q finalmente ensina o Sr. Lee a confiar e se abrir para as novas possibilidades de vida, começando assim uma linda amizade.
A trama começa um pouco antes da Q e Lee realmente conviverem. Alguns anos antes, enquanto Bo Ting está começando o processo para ficar cego, ele visita o Dr. Lo (Frankie Law), junto com sua irmã Bo Yi (ou Li Bao’er – interpretada por Gigi Leung). Na sacada do andar de cima da casa do doutor, ainda filhote, Q cai, mas no golpe de sorte ele é salvo por Bo Ting (destino já começa os unir). Saltamos no tempo e Little passa a morar com a família Chan: Sr. Chan (Frankie Kwok Chun On), a Sra. Chan (Charlie Yueng) e sua filha Tzu Kiu (ou Chi Kyu ou Chan Zhiqiao – interpretada enquanto criança por Chutian Liu). Enquanto Simon (Him Law), um instrutor de cachorros treina Q para ser um cão-guia. Finalmente, terminado o treinamento, Little Q deixa a família Chan e passa a ser o parceiro do Sr. Lee.
A direção Wing-Cheong é muito segura e inventiva na medida certa. Junto com direção de fotografia Chi-Ying Chan ele cria planos que reforçam a felicidade e angústia vivida por Q e Lee. Com planos mais abertos e fechados para demonstrar as emoções e o uso de uma grua em dois momentos do longa que mostra o lado de fora do apartamento de Bo Ting e a rua onde ele mora. Ainda a uma sacada genial em utilizar planos subjetivos de Little, onde por meio dos seus olhos, enxergamos o ambiente em que está de forma distorcida (com uso de uma lente “olho de peixe”) e cores desnaturadas (tirando a estigma que cães enxergam em preto e branco).
A direção de arte de Jiaan Yu usou cores primárias bem vivas durante a película. Somente no começo quando Sr. Lee é apresentado à Q pela primeira vez, é que há cores mais sóbrias, mas logo se tornam fortes novamente. O som do filme (edição e mixagem), de Yi-Chen Chiang e Duu-Chih Tu contribuem para mise-en-scène criando uma imagem sonora das pegadas de Little e na construção do mundo de Lee.
Como se trata de história real, a roteirista Susan Chan transforma a narrativa mais focada nos personagens do que na trama em si. Apesar de exagerada a atuação de Simon Yan com Sr. Lee é completamente crível, tanto o começo amargurado e ignorante com quem convive, quanto na sua transformação. Os cães que interpretam Q (para quem não sabe, trabalhar com criança e animais é a coisa mais difícil do audiovisual pela imprevisibilidade), são todos bem treinados, desde filhotes e como adultos.
Chegando no terceiro ato e perto da conclusão que drama se acentua demais (para alguns vai ser o momento derradeiro para se o público gostou ou não do longa). Ambos os protagonistas começam a ter problemas de saúde. Sem dar spoilers, mas tocando em algo inevitável para a crítica, eles terão de se separar. E nesse momento que o melodrama chega ao ápice com a trilha sonora de Lowell Lo, que usava piano e violão para criar clima tanto em momentos de alegria e tristeza. Apela para o uso de músicas cantadas (tipo apelo clássico em novela para gerar momentos emocionantes).
Q volta a viver com a família Chan novamente e conhecemos a versão jovem de Tzu Kiu (Angela Yuen), que todo esse tempo sempre observou Little mesmo que de longe. Porém, novamente acontece mais uma revelação bombástica (O drama desse filme é uma crescente exponencial).
Ao final do longa temos um desfecho comovente. Assim como o longa americano Marley e Eu (que também conta a história de um labrador), eu não consegui segurar o choro. Inclusive, acho que chorei mais nesse filme do que qualquer outro que vi esse ano. E antes e durantes os créditos, o diretor faz questão de homenagear os cães-guias de todo o mundo. Uma atitude nobre, que me fez refletir e reforçar o papel tão importante que eles têm para uma parcela da população no mundo e como a vida desses pequenos heróis é uma vida difícil, com total dedicação aos seus donos.
Eternos Companheiros é uma história de amizade comovente. Aqui no Clube Cinema não precisamos dar notas para os filmes, mas caso tivéssemos, pelo o uso da razão, talvez daria uma nota um pouco baixa ou mediana para o longa. Mas como acredito que cinema é também emoção, a película me acertou em cheio e espero sinceramente que aconteça o mesmo com o leitor.
Obs: Na minha pesquisa que sempre faço para escrever as críticas, encontrei diversas formas de escrita dos nomes dos personagens. Algumas mudanças são somente letras, porém outras são completamente distintas uma das outras. Então, para que o leitor tenha mais conhecimento, adotei duas médias: 1) Colocar todas as formas escritas dos nomes dos personagens quando for citá-los. 2) O primeiro nome citado na crítica é como eu irei me referir ao personagem ao longo do texto. Isso não irá atrapalhar em nada o leitor. Pois os personagens tem suas características próprias que os definem, além que os nomes dos intérpretes não há nenhum tipo de mudança. Essa escolha é apenas uma nota a ser registrada a título de curiosidade para quem está lendo.