Tarsilinha (2022) de Celia Catunda e Kiko Mistrorigo
Homenageando os 100 anos da Semana de Arte Moderna, que ocorreu em 1922, era esperado um tributo a uma figura que marcou o evento. O longa animado Tarsilinha faz uma bela homenagem a um dos principais nomes das artes plásticas do Brasil: Tarsila do Amaral. E aproveita a reverência para expandir o tema para a cultura brasileira, entretanto, com pouco aprofundamento.
No filme seguimos Tarsilinha (nome homônimo da pintora), que, para recuperar as lembranças de sua mãe que foram roubadas parte em uma aventura para resgatá-las. Nessa aventura, passamos por diversos locais que remetem as pinturas de Tarsila do Amaral, mas também a cultura e o folclore brasileiro.
Os grandes méritos dos diretores Celia Catunda e Kiko Mistrorigo (parceria longeva com “Peixonauta”, “O Show da Luna!”, “Charlie, o Entrevistador de Coisas”), é justamente dá a impressão que estamos em várias pinturas de Tarsila, principalmente as que se referem a sua era Antropofágica. Com uma paleta de cores bem vibrantes, incluindo verde, amarelo e azul bem presentes, em cenários ora 2D/3D, ora apenas em 3D.
Visitamos várias telas, que se fazem vivas, como “O Lago” (pintura que marca justamente a transição do mundo “real”, para o mundo de Tarsila), e “Sol Poente”, exemplos claros da arte bem representada em tela. Já o quadro “A Cuca”, que realmente tem mais importância, mostra com uma criatura folclórica vira um antagonista. Porém somos agraciados até com outras pinturas de pós Semana de Arte Moderna, como “São Paulo” e “Morro de Favelas”, que aparecem como referência. Isso demonstra o tamanho grau de pesquisa e amor dos realizadores.
Há três outros pontos positivos que gostaria de citar. O primeiro é que o longa mescla com inteligência os cenários tanto com personagens do Folclore Brasileiro, quanto com outros dos contos de fadas. Um exemplo é o sapo que quer virar príncipe, e o Saci, como principais amigos da nossa protagonista. O segundo ponto é a excelente dublagem, que caem perfeitamente em seus personagens. Nomes como: Alice Barion (Tarsilinha), Marisa Orth (Lagarta), Ando Camargo (Sapo), Skowa, Dameglio (Saci), Cristina Mutarelli (Cuca), Marcelo Tas (Pássaro), aparecendo com mais ou menos frequência na película. Já o terceiro, é a perfeita trilha sonora de Zezinho Mutarelli e Zeca Baleiro que dá uma brasilidade à obra.
Contudo, a animação Tarsilinha narrativamente possui alguns problemas. Apesar do nome homônimo e do visual, pouco aprendemos sobre a pintora e muito menos o que foi a Semana de Arte Moderna. Os realizadores perderam a imensa oportunidade de usar os elementos de busca da memória da mãe, como artifício para que remetesse Tarsila do Amaral.
Em uma clássica narrativa do herói em busca de lembranças, é pouco colocar apenas uma antagonista que vive em roubar as memórias, mas que nada tem a ver com o universo proposto. O que temos é sim, uma protagonista superando seus medos, mas com o espectador pouco aprendendo sobre que de fato é a homenageada raiz desse projeto.
Entretanto, os dois maiores pecados moram no clímax e em sua resolução. A aparição do clássico “Abaporu” é anticlimática ao extremo e completamente desperdiçada em seu potencial, aparecendo para o público praticamente sem cor ou vida. E a resolução não faz jus ao seu grau de arte potencializado. Por fim, Tarsilinha é uma bela homenagem que utiliza bem o visual e homenageia o trabalho de Tarsila do Amaral e a Cultura Brasileira. Mas narrativamente poderia ir além, e nos apresentar que de fato foi a artista plástica e sua imensa importância para a arte no Brasil.
INFORMAÇÕES ADICIONAIS
Obras de referência
“A Cuca”
Saíram da paisagem dessa obra de 1928 alguns dos principais personagens do filme, a exemplo do Sapo, da Lagarta, do Tatu Pássaro e da própria Cuca. Pertence à fase Pau Brasil da artista e, atualmente, consta no acervo do Musée de Grenoble, na França.
“O Lago”
Em Tarsilinha, simboliza o ponto de inflexão para a aventura da protagonista. A peça original, que faz parte da fase Antropofágica da artista, está no acervo de Hecilda e Sergio Fadel, no Rio de Janeiro. A obra veio a público pela primeira vez em 1928.
“Sol Poente”
A paisagem da obra da coleção Geneviève e Jean Boghici, no Rio de Janeiro, compõe um dos cenários que Tarsilinha e seus companheiros precisam atravessar para alcançar o objetivo final antes do retorno à fazenda da mãe da personagem principal. A tela é de 1929.
“Abaporu”
É considerada a peça mais valiosa das artes plásticas brasileiras. A sua elaboração data de 1928. Em Tarsilinha, a atmosfera do quadro serve de referência para o momento crucial na busca pelas memórias da mãe da protagonista. Está atualmente no Museo de Arte Latinoamericano de Buenos Aires (Malba).
Semana de Arte Moderna de 1922
Marco da cultura brasileira no século XX, a Semana de Arte Moderna foi realizada em São Paulo, em fevereiro de 1922. O evento celebrava o centenário da Independência do Brasil e se propunha a debater a identidade nacional do país por meio das mais diversas expressões artísticas. Participaram do movimento nomes fundamentais para a literatura, como Oswald de Andrade e Mario de Andrade; para a música, como Heitor Villa-Lobos; e para as artes plásticas, como Anita Malfatti.
FICHA TÉCNICA:
Brasil, 2021, 93 min, animação
Produção: Pinguim Content
Direção: Celia Catunda, Kiko Mistrorigo
Roteiro: Fernando Salem, Marcus Aurelius Pimenta
Produção Executiva: Ricardo Rozzino
Produtora Associada: Tarsila do Amaral
Trilha Sonora: Zezinho Mutarelli, Zeca Baleiro
Vozes: Tarsilinha – Alice Barion, Lagarta – Marisa Orth, Sapo – Ando Camargo, Saci – Skowa, Bicho Barrigudo – Rodolfo Dameglio, Cuca – Cristina Mutarelli, Pássaro – Marcelo Tas, Mãe – Maíra Chasseraux
Distribuição Brasil: H2O Films