Rio de Vozes (2022) de Andrea Santana e Jean-Pierre Duret
Em Rio de Vozes, a dupla de documentaristas Andrea Santana e Jean-Pierre Duret (No Meio do Mundo, 2008), acertam em cheio ao criar um documentário com uma denúncia pertinente: retratar a atividade pesqueira da população que vive à margem do Rio São Francisco que, ano após ano, está morrendo. Entretanto, algumas escolhas narrativas, que parecem interessantes ao decorrer do longa, joguem contra ele, fazendo com que o filme soe repetitivo e confuso.
Acompanhamos diversas comunidades que vivem à margem do Rio São Francisco (que possui uma conotação dupla de proximidade e pobreza). O Grande Chico, que vai da Bahia a Pernambuco, é generoso mas se encontra fragilizado devido ao desmatamento e super exploração da agricultura intensiva, colocando em perigo sua diversidade, ecossistema e até mesmo a sua vida.
Todas essas comunidades estão ligadas de alguma forma com o rio e a sobrevivência de suas atividades estão ligadas diretamente a ele. Todos temem que no futuro próximo, ele venha a morrer.
Uma das escolhas interessantes, mas que se enfraquece ao decorrer da película, é a ideia de coletividade. Os diretores não nos situam em qual comunidade estamos, ao invés disso passam ao espectador que todos vivem os mesmos problemas: peixes mais escassos, região mais árida e agricultura e pecuária mais e mais comprometida.
Em tese, a ideia do coletivo é boa, mas que na prática se mostra errônea, pois cada comunidade tem sua particularidade. Por mais que o rio as una, alguns povoados são mais politizados e já exercem uma união de resistência, para juntos lutar pelos seus direitos. As questões são levantadas principalmente por mulheres, que são protagonistas dos movimentos de resistência, já os homens, apesar de participarem, estão muito mais voltados ao trabalho braçal.
A montagem de Laure Gardette e Jordana Berg se esforça para criar uma liga coesa dessa coletividade que envolve os povos à margem do rio. E cada alteração de uma comunidade a outra é marcada por uma música que evoca o Nordeste nas composições de Benjamim Taubkin. A escolha dos realizadores em somente mostrar nos créditos o nome dos personagens e nomes dos povoados prejudica nossa relação com os personagens.
O documentário tem uma abordagem de observação naturalista, nunca adentrando demais na vida dos personagens e com poucos depoimentos. Entretanto, quando ditos, se mostram impactantes, pois mostram o passado, o presente e a preocupação do futuro daquelas pessoas que dependem do rio que está definhando.
A fotografia de Jean-Pierre Duret e Tiago Santana compõe quadros que mostram a beleza do rio com o contraste da seca em planos abertos e planos detalhes. Esse nível de impessoalidade de não interferir, perde força como na montagem, já que como nunca situados, vemos os povoados, mas sem nenhuma conexão.
Mas é na denúncia que o documentário tem um peso forte. Gerações e gerações que dependem diretamente do rio estão vendo ele morrer diante dos olhos, com os peixes escassos e rio mais raso. Imageticamente isso já nos causa impacto, que é fortalecido por depoimentos pontuais que são de cortar o coração. É de uma senhora uma das falas mais importantes do longa, ela relata quando precisou confrontar o governo, nesta ocasião ela disse que o grande objetivo deles era tirar o sustento da comunidade e mandar todos para periferia para morrer. “Sem o rio. Sou um peixe fora d’água”.
O amor e o orgulho da atividade pesqueira é algo que transcende gerações. O rio ganha um simbolismo de representação de vida para todos os povos, já que cada um tem uma história com ele e que não pode ser apagada e nem deveria ser. Rio de Vozes tenta coletivizar uma dor de uma perda que inúmeras comunidades têm com o Rio São Francisco. Por mais que tenha problemas em sustentar essa estrutura narrativa, como denúncia, o documentário abre nossos olhos aos povos que tanto dependem da natureza tão maltratada em nosso país.