Há uma parte da vida noturna de Fortaleza que não é nada glamourosa. Que abriga o turismo sexual e a prostituição de jovens e adolescentes que não têm opção na vida. Não estudam, não possuem emprego fixo ou não querem mesmo estudar nem procurar um emprego. Escolhem a saída mais fácil. E o filme Rânia (Idem, 2011) está no meio desse turbilhão de sentimentos sociais, ao contar a história de uma adolescente que sonha em ser bailarina, mas para conquistá-lo tem de escolher o caminho certo.
Essa é a visão que o longa de estreia de Roberta Marques nos dá, numa obra autoral, e que a fez se envolver em várias frentes, da captação de recursos à edição, da feitura do roteiro à escolha de seu elenco e locações. O resultado é um bom recorte, naturalista, dos problemas das classes mais frágeis de Fortaleza, mas que poderia ser de qualquer lugar do mundo. Aqui a capital do Ceará não é usado como um cartão postal em imagens, mas funciona como um cenário vivo, que pulsa, importante para a trama do filme.
A história
O drama conta a história de Rânia (Graziela Felix, tranquila e bem à vontade), menina-adolescente que mora no morro Santa Terezinha subúrbio de Fortaleza. Seu dia a dia se divide em ajudar a mãe, que é costureira, nos trabalhos e afazeres domésticos, estudar e dançar numa escola municipal e trabalhar como garçonete numa barraca no Mucuripe. Mas seu sonho é ser uma bailarina profissional.
Sua melhor amiga, Zizi (Nataly Rocha, piriguete-mor) é dançarina da boate ‘Sereia da Noite’ e faz programas. Rânia decide então dançar sensualmente na boate… E é aí que sonho e pesadelo se misturam. Mas a esperança aparece na pele de Estela (Mariana Lima, com classe), coreógrafa que está montando uma companhia de dança para se apresentar em Nova York. A arte pode transformar sua vida, mas será que sua vida, sua condição social e familiar vai deixar isso acontecer?
Drama naturalista
O uso da narração em off é válida, para nos guiar nas situações do drama, com a edição de imagens e a adição da música como uma forma de suavizar os momentos pesados. Uma narrativa que flui com leveza, sempre amparada na simplicidade do seu conjunto, enquanto a fotografia aposta no duo dia/noite. No primeiro há o uso da luz, de linguagem sempre quente, e a noite, mesmo com a sensualidade na tela, se torna fria – em relações, suja e escura. Impossível não lembrar, carinhosamente, de O Céu de Suely (2006) em alguns nuances.
Em meio à dança e poesia visual, Rânia nos leva ao dia a dia das comunicades de baixa renda de Fortaleza e traz a tona a visão de uma cidade que tem uma diferença social bem acentuada. Fatos e sentimentos que provocam uma avalanche de problemas como a violência, o envolvimento (direto ou indireto) com drogas e a prostituição. Traduzido numa imagem emblemática, Hope é apenas um barco velho, enferrujado e encalhado no mar de Fortaleza. Ou seja, depois de estar à deriva, a própria esperança está apenas encalhada, esquecida num mar de sentimentos tão fortes.