O Filme da Minha Vida (Idem, 2017) de Selton Mello
Em sua estreia na direção, Feliz Natal (2008), Selton Mello entregava uma obra depressiva, que geralmente apenas entristece, mas que aqui consegue abrir novos e interessantes aspectos dramáticos (e familiares) de uma velha história.
Já com O Palhaço (2011), o clima foi bem mais ameno e o clima mambembe faz Selton Mello abraçar, ao mesmo tempo, a comicidade irônica e a tristeza da pós-alegria inventada. Indo de encontro com a tradição dos picadeiros, a magia de seu segundo filme como realizador honra o ‘respeitável público’, e entrega um espetáculo legitimamente circense digno de aplausos.
“Cinema é um troço escuro que você fica lá dentro vendo a vida dos outros em vez de cuidar da sua e perde duas horas da vida”. (Paco/Selto Mello – O Filme da sua Vida, 2017)
O que nos traz até o emocionante O Filme da Minha Vida (Idem, 2017), terceiro longa de Selton Mello atrás das câmeras. Baseado no livro “Um Pai de Cinema”, de Antonio Skármeta (mesmo autor de O Carteiro e o Poeta), mas ambientada no sul do Brasil, na década de 60, o filme mostra o processo de amadurecimento do jovem Tony Terranova (Johnny Massaro), sua relação estreita com a mãe, seus anseios, dilemas, amores, e principalmente a ausência do pai – o francês Nicolas (Vincent Cassel), que decide retornar à França.
Professor de francês num colégio de sua pequena localidade, Tony convive a mesmo tempo com os conflitos dos alunos no início da adolescência (em especial um deles é bem divertido com a sua ânsia de perder a virgindade), e percebe em si o desabrochar do amor por duas irmãs, Luna (Bruna Linzmeyer) e Petra (Bia Arantes).
Amante da cultura, gosta de escutar uma boa música francesa – herança do pai -, é apaixonado por livros, e se identifica com os conflitos dos personagens do clássico western “Rio Vermelho”(1948), pai e filho adotivo diante da incerteza de caráter, que viu no cinema da cidade grande, Remanso.
Procurando se achar no mundo, vive relembrando seus momentos com pai, agora ausente e sem notícias, e usa a memória para se sentir melhor diante das interrogações da vida. É uma história que tem o seu próprio tempo. O tempo do romance, das descobertas, do drama familiar, do confronto diante das incertezas, das crises, relação pai e filho, mãe e filho… Narrativamente, não tem a preocupação de revelar o conflito de forma apressada, e no seu próprio tempo, usa esse ritmo ao seu favor. Somos tragados para os sentimentos do protagonista, e aprendemos a crescer junto com Tony.
De estética vintage, e que conversa perfeitamente com a época retratada, o tom de suas cores é sempre pastel, incluindo o vermelho apenas para as questões amorosas, e suas decisões. E como o cinema é um lugar mágico, porquê não ser mágico? Repare que, enquanto as irmãs Luna e Petra ensaiam uma dança na quadra da escola, cinematograficamente, Tony voa para apreciar a cena em uma sequência mágica.
Simbolicamente o rito de passagem usa a ida ao bordel para se fazer homem em si, mas também o uso da bicicleta – que o pai o ensinou a andar, ainda muito pequeno – à motocicleta. A questão de nunca ter “levantado a mão para nenhum homem”, até que é necessário, como ilustrou para Paco (Selton Mello), e a decisão do amor real (e não o imaginário). Assim como o trem, e seu maquinista (Rolando Boldrin, em participação irretocável), que carrega no rosto marcado pelo tempo, muitas histórias de idas e vindas da vida.
Ainda destacando a sua poética narrativa, ornada pelo mestre da fotografia, Walter Carvalho, onde cada imagem é uma obra de arte, é perceptível que, assim como o próprio Tony abre o drama, explicando sua vida como se fora um filme, percebemos com que, o meio da trama é muito importante – nos ajuda a entender os porquês de cada personagem, e que o final… Bem, o final ninguém pode contar, como o mesmo Tony entrega.
E se como coadjuvante da sua própria trama, o Paco de Selton Mello, é um sujeito bruto e fedido – mas que em linhas gerais, é um boa praça -, o diretor Selton Mello é tocante e suave em cada frame. Com uma narração em off que enche a tela de emoção desde a abertura, sua trama conquista o espectador a cada imagem. Além de fazer uso de belíssimas paisagens, O diretor escolheu expor as vivências dos seus personagens ao fazer close-ups, primeiro e primeiríssimo plano. E com o plano detalhe, vai ao fundo na sensibilidade do protagonista. E vai tão fundo que reverbera tanto em seu sentimento interior, quanto lembranças do passado, caindo no uso de justificados flashbacks.
Tecnicamente impecável, traz um elenco não menos brilhante, com um trabalho de casting excelente. Com lábios exuberantes, olhos penetrantes e jeito naturalista de ser, Bruna Linzmeyer carrega não apenas uma beleza surreal, mas faz uma Luna ainda mais bonita por dentro com seus sonhos, anseios e fotografias. Enquanto isso, a Petra de Bia Arantes, carrega aquela beleza carregada, que mais cedo ou mais tarde se cansa. Tudo perfeito à história.
Johnny Massaro e suas olheiras de quem dorme pouco, evolui de forma precisa com o seu personagem. Do momento da incerteza familiar à estagnação social, modifica-se de postura – e de olhar – com o passar do longa. Ondina Clais Castilho é a clássica mãe de família. Carregando a dor da falta do esposo, trabalha fora, mas não esquece de cuidar de sua cria. Outro acerto é ter um ótimo ator francês, fazendo um francês, Vincent Cassel (de Cisne Negro). E sim, moderadamente, Selton Mello toma alguma atenção para si, como coadjuvante, mas para trama é funcional até. Curioso também é ver o próprio autor do livro no qual o filme se baseia, Antonio Skármeta, fazendo uma ponta como o estrangeiro que conta uma anedota no zona.
Em O Filme da Minha Vida, Selton Mello se afirma como um grande cineasta, capaz de contar pequenas grandes histórias, cheias de emoção e sensibilidade. E após ver essa poesia cinematográfica, talvez até coloque essa obra como um dos filmes da sua vida.