A Garota no Trem (The Girl on the Train, 2016) de Tate Taylor
Por George Pedrosa*
Vou tirar a comparação obrigatória logo do caminho: sim, A Garota no Trem é extremamente reminiscente de Garota Exemplar (2014). É baseado em um romance bestseller sobre um desaparecimento repleto de suspeitos injustiçados, sexo softcore e dramas conjugais e também tem uma visão cínica sobre a vida nos subúrbios americanos.
Mas enquanto o filme de David Fincher intensificava os estereótipos de gênero para níveis desconfortavelmente altos até se transformar em um thriller sexual trash que teria sido protagonizado por Michael Douglas nos anos 90, A Garota no Trem tem uma direção mais convencional e uma abordagem mais realista quanto aos dramas pessoais de suas personagens femininas. É um filme mais bem intencionado, mas sem o ritmo envolvente e o apuro visual do diretor de Seven e Zodíaco. É quase um reflexo perfeito de Garota Exemplar, trazendo qualidades e defeitos simetricamente opostos ao filme de Fincher.
Interpretada por Emily Blunt, Rachel é uma mulher alcoólatra que passa os dias observando a vida de um casal, Scott e Megan, através da janela de um trem, lamentando o caminho autodestrutivo que levou ao fim de seu casamento. Quando ela testemunha algo que parece destruir suas ilusões sobre aquele relacionamento perfeito, Rachel acaba se envolvendo na vida do casal e se tornando a principal suspeita do desaparecimento de Megan.
Narrado em primeira pessoa pela protagonista, o filme tem uma estrutura de flashbacks confusa, prejudicada pela direção pouco marcante, televisiva, que não consegue situar a cronologia dos múltiplos personagens de forma apropriada e nem traz qualquer inventividade na edição, optando por jogar luz sobre a solitária protagonista através de longos monólogos em primeira pessoa.
Mesmo prejudicada pelos diálogos, Emily Blunt ainda consegue transformar sua personagem em uma figura tridimensional, e a atriz merece créditos por sustentar nossa simpatia apesar das inúmeras falhas de caráter da personagem. Constantemente afetada por lapsos de memória causados por abuso de álcool, Rachel é manipuladora e pouco confiável, e sua busca pela resolução do desaparecimento de Megan parece mais motivada pelo desejo de encontrar algum propósito para sua existência do por qualquer sentimento altruísta. Ela é, em essência, uma protagonista feminina ainda difícil de se ver no Cinema, falha e patética, e o filme lhe dá liberdade para ser tão imperfeita e contraditória quanto os anti-heróis masculinos normalmente podem ser.
É uma pena que a narrativa não faça justiça à sua protagonista. Diferentemente de Garota Exemplar, cujo twist na metade da projeção desviava o enredo e o próprio gênero do filme para um caminho completamente diferente, A Garota no Trem deixa sua revelação para o último ato, num momento que é mais uma culminação dos dramas das personagens do que uma mudança radical de percurso.
A forma casual como o filme conclui seu confronto final – com um momento pontual de violência – é até agradavelmente discreta, e a revelação do verdadeiro antagonista, de novo, parece uma resposta direta à controversa e estereotipada vilã de Garota Exemplar. Mas a reviravolta – que pode ser deduzida facilmente bem antes do momento ideal, o que dilui o senso de urgência da trama – rouba um pouco da complexidade de Rachel, tornando-a mais puramente uma vítima das circunstâncias do que uma anti-heroína falha.
*George Pedrosa é jornalista, e membro da Associação de Cearense de Críticos de Cinema (ACECCINE).
Boa noite,
Muito bom.
muito bom o artigo