Eternos (Eternals, 2021) de Chloe Zhao
Acompanhar ascensão cinematográfica dos estúdios Marvel a partir de sua parceria com a Disney rendeu ao público muita diversão e também muito dinheiro aos estúdios. Não é à toa que se falou muito na tal “fórmula Marvel”. O início dessa jornada mostrava filmes de super-heróis que respeitavam a essência dos personagens e aos poucos costuravam as narrativas construindo o tão falado Universo Cinematográfico Marvel.
Entre altos e baixos, acompanhamos bons e péssimos filmes de heróis – ou os “filmes de boneco” – que tinham como objetivos conquistar os fãs das Histórias em Quadrinhos e agregar os fãs de cinema ao seu projeto. Seus produtores entenderam que a formula era simples: o gênero cinematográfico se torna apenas um elemento do filme de super-herói, ou seja, poderíamos falar de um filme de herói que fosse uma aventura, uma comédia, um filme de espionagem, uma viagem espacial, dentre outros; adiciona a isso uma dose de problematização do que se vive no mundo político real, que são problemas de relações sócio-políticas como as representatividades, a ecologia, o terrorismo, o genocídio, moralidades e valores importantes para a construção do perfil dos heróis protagonistas das histórias. Ao fim de Vingadores Ultimato (2019), muitos se perguntaram: o que a Marvel vai fazer agora? Seriam os estúdios capazes de se reinventar e mostrar algo novo?
Talvez a frustração quanto a resposta esteja justamente na pergunta. Deveríamos perguntar: a Marvel, realmente, trouxe algo de novo ao cinema ou ela, simplesmente, fez bons filmes de super-heróis? Após assistir sua mais nova produção, Eternos (2021), dirigido pela excelente e vencedora do Oscar, Chloe Zhao (Nomandland, 2020), refleti um pouco sobre o filme e sobre a trajetória dos estúdios Marvel e Disney.
O filme mostra a história dos Eternos, uma raça de seres especiais criados pelos Celestiais, entidade das mais antigas e poderosas do universo, especialmente para proteger e acompanhar a vida humana na Terra contra a ameaça maligna dos Deviantes. Ao descobrirem um segredo, o grupo entra em conflito interno e assim o filme se desenvolve. Com um elenco estrelado e diverso – da oscarizada Angelina Jolie (Thena), à figuras como o comediante Kumail Nanjiani (Kingo) e Kit Harrington (Dane Whitman ou, como será conhecido, O Cavaleiro Negro), passando por Salma Hayek (Ajak), Richard Madden (Ikaris), Don Lee (Gingamesh), Brian Tyree Henry (Pathos) e os jovens Gemma Chan (Sersi), Barry Keogan (Druig), Lauren Ridloff (Makkari) e Lia Mchugh (Sprite) – o filme rendeu muitas expectativas para um novo caminho criativo da Marvel. Mas o que se vê é mais, muito mais do mesmo: um filme com um certo nível de divertimento, politicamente engajado e que agrada ao fã que quer assistir mais uma fórmula Marvel.
Por vezes, vemos a direção de Chloe Zhao lutar para dar uma maior profundidade aos temas do filme. Sua lente capta, assim como o fez em Nomandland, uma terra gigante e bonita, cheia de luz e cor. A câmera na mão por vezes traz a raiz indie da diretora e que aproxima as personagens ao público. Apesar de em muitos momentos ser preciso lembrar de que se trata de uma história de grandeza épica, sendo construídas cenas – já cansadas – com planos contra-plongee ou movimento lento de zoom in e zoom out para mostrar de uma forma cafona a grandeza dos heróis semi-deuses, ainda assim há bons momentos na direção. Os melhores estão exatamente nas relações afetivas entre os personagens, em seus conflitos internos, suas conversas que trazem à tona seus problemas pessoais e existenciais – alias, eu creio que o existencialismo seria um ótimo elemento problematizador da narrativa -, mas que acabam se perdendo devido ao fraco roteiro adaptado, da própria Chloé Zhao, de Patrick Burleigh, de Ryan Firpo, e de Kaz Firpo.
Com visual brega, narrativa excessivamente expositiva e até clichê, com passagens e falas bastante previsíveis, o roteiro não consegue convencer com suas explicações sobre a não intervenção das personagens nas guerras e conflitos entre os terráqueos para justificar a não aparição dos Eternos na luta contra Thanos. Alguns personagens se apaixonam por humanos, se apegam à vida terrena e, por fim, lutam por defende-los de uma ameaça menor que o genocídio do vilão de Os Vingadores, sem esquecer que eles de uma forma ou outra interferem no processo de construção social histórica em vários momentos, o que configura uma contradição na lógica narrativa proposta. Se a missão dos roteiristas era criar uma história forte o suficiente para cobrir esses buracos, aqui houve uma falha, já que o perfil das personagens destoa da lógica não interventiva.
Um outro problema do roteiro é abordar temas complexos e cheio de riqueza como a memória e aproveitá-la mais, sendo ela um tempo de tela perdido, não servindo para absolutamente nada no desenvolvimento da história, a não ser como apoio para algumas justificativas quase irrelevantes da narrativa. O acerto fica por conta da boa costura que é o fio ideológico do filme, colocando como protagonistas personagens diferentes que tem uma grande necessidade de representatividade nas histórias de heróis e heroínas – obviamente, aqui falamos da frágil representatividade liberal que um filme de super-herói não consegue aprofundar.
Por fim, temos até boas tentativas nas interpretações das personagens, com marcas de sotaques que exploram essa diversidade que é a humanidade. Mas ainda assim, há atuações que não aprofundam as possibilidades que eles próprios possuem como potência. Por exemplo, a Thena de Angelina Jolie se perde exatamente pela expectativa que o roteiro e a narrativa dão a ela – não posso ir mais longe por motivos de spoiler. Enquanto outros parecem se satisfazerem com algumas caras e bocas e uns tons de comédias típicos da própria Marvel.
Desta feita, Eternos é apenas mais um filme de boneco, e se mostra como uma obra que busca se construir como um épico (sem alcançar tal feito), sem trazer nenhuma novidade ao Cinema ou mesmo à formula Marvel. Exceto pela continuidade do Universo Cinematográfico Marvel, que deve funcionar aos fãs (para não dizer fanáticos), e que estes parecem se satisfazer apenas com a tal lealdade à história em quadrinhos, com a fácil digestão da narrativa. Sim, com direito a uma catarse de vídeo game e alguma ou outra proposta política que ressoe bem para nossa atualidade. Já para aqueles que buscam ver um filme cinematográfico, de fato, sairão insatisfeitos. E sobre a pergunta que fiz no começo, se a Marvel, de fato, contribuiu com a linguagem cinematográfica, fico com a resposta de que ela fez bons filmes – de vez em quando – para você se divertir, vendendo histórias que fazem homenagens a outras grandes obras da própria Hollywood. A formula Marvel permanece para a alegria dos fãs que querem mais do mesmo e para a infelicidade daqueles que pedem por algo diferente. Mas será que os que buscam apenas o lucro se arriscariam para tal? Acredito que não.