Duna (Dune, 2021) de Denis Villeneuve
Duna não é somente um dos melhores romances de ficção científica já feitos. A obra-prima, escrita por Frank Herbert está para o sci-fi, assim como toda obra de J.R.R.Tolkien, está para fantasia. Muitos acreditavam que ambas obras eram impossíveis de serem adaptadas para o cinema. Peter Jackson, em sua trilogia de O Senhor dos Anéis (2001/2002/2003), mostrou o contrário. Entretanto, não podemos dizer que o romance de Herbert teve a mesma sorte. Até agora.
Alejandro Jodorowsky, foi o primeiro a tentar adaptar Duna para a telona. Um projeto criativo, porém impossível de se realizar (o documentário Duna de Jodorowsky de 2013, conta toda a história da empreitada). Ridley Scott também foi cogitado para adaptação, mas foi David Lynch, em 1984, o responsável da levar a obra de Herbert ao cinema: “Bem, eu praticamente tenho orgulho de tudo, exceto de Duna”. Palavras do próprio diretor ao falar de sua carreira em seu canal do Youtube.
Denis Villeneuve, que é apaixonado pela obra de Herbert, assumiu o desafio de adaptar o livro para a tela grande. Dono de uma carreira admirável (indicado ao Oscar de filme e direção pela ficção-científica A Chegada, 2016; Blade Runner 2049; tudo indicava que o novo projeto estava em boas mãos, porém, não imaginávamos o quanto. O diretor, além de conseguir adaptar um dos romances mais complexos da literatura, cria uma narrativa épica, que cinematograficamente é impressionante.
E a escolha de recorte de Villeneuve foi que seu longa adapta a primeira metade do romance de Herbert. A história se passa em um futuro distante, onde o universo é comandado por um grande império, onde os planetas regidos por esse sistema representam uma Grande Casa (como feudos medievais). Dentre as principais casas estão: Os Atreides e os Harkonnen, que são inimigas a milênios.
E por 80 anos, os Harkonnen, comandaram e exploraram Arrakis (ou Duna) um planeta desértico, lar do povo Fremen. Até que por ordem do império, o comando desse mundo ficou em responsabilidade dos Atriedes. E mesmo sabendo que os planos do Imperador eram na verdade uma armadilha, devido a casa ter cada vez mais influência sobre as demais. Duque Leto Atreides (Oscar Isaac), não pode negar o pedido.
O motivo é que somente em Arrakis é que pode ser encontrado “A Especiaria”. Uma substância que além de poder causar efeitos sobre-humanos em certos organismos, é essencial para o império. Pois, mesmo estando em um futuro com naves e viagens interplanetárias, robôs e outros elementos clássicos de obras de ficção-científica, não existem em Duna. Tudo funciona ao redor da especiaria: comunicação, viagem e comércios entre todo o universo.
Então toda a casa Atreides se muda para Duna. Incluindo o filho do Duque, Paul Atreides (Timothée Chalamet), que além de vários sonhos com o planeta desértico, muitos acreditam que ele seja “O Escolhido”. Uma profecia milenar de um messias que uniria todos os povos.
A maior missão de Villeneuve era simplificar todos os complexos termos de Duna para o grande público, sem se perder a essência da obra. Traduzir a trama política, religiosa, ecológica, mística e com elementos que subvertem a própria ficção científica é uma tarefa árdua. Mas o diretor consegue resolver tudo com soluções audiovisuais eficientes. E quanto precisa utilizar da exposição para explicar algum elemento chave, as cenas são resolvidas de forma elegante.
Todos os elementos técnicos do longa são perfeitos. A fotografia de Greig Fraser, cria reais sensações em quem assiste. Quando estamos em Arrakis, as grandes temperaturas do planeta podem ser sentidas e quando estamos com o vilão Baron Harkonnen, o clima se torna sombrio com uma luz difusa. A direção de arte de Tom Brown e os figurinos de Bob Morgan e Jacqueline West, transformam cada ambiente e personagens em algo único e crível.
Mas de toda parte técnica, os efeitos especiais de Gerd Nefzer e os visuais Paul Lambert, torna o mundo tanto macro como micro em um verdadeiro espetáculo, principalmente quando somos apresentados aos Shai Hulud. Os vermes gigantescos, que habitam Arrakis e como o mínimo abalo sísmico, estão prontos para o ataque, dificultando a extração da especiaria. A trilha sonora de Hans Zimmer transforma o longa em um verdadeiro épico. Será um crime, se todos citados não receberem uma indicação ao Oscar. E vou além, a película merece pelo menos estar entre os indicados a melhor filme pela A Academia.
Todo o elenco é incrível. Lady Jessica, é uma Bene Gesserit: Uma irmandade somente de mulheres, comandada pela Reverenda Mãe Gaius Mohiam (Charlotte Rampling), que tentam a milênios criar o Kwisatz Haderach (O Escolhido), além de ser detentoras da “Voz” (equivalente “A Força”, em Star Wars), Thufir Hawat (Stephen McKinley, que é um Mentat, termo utilizado para as pessoas responsável pelos os cálculos no mundo de Duna), Dr. Wellington Yueh (um Suk, como são chamados os médicos) e os dois Mestres das Armas: Gurney Halleck (Josh Brolin) e Duncan Idaho (Jason Momoa), todos pertencentes à casa Atreides. Fora Stilgar (Javier Bardem), líder dos Fremen e a ecologista Liet Kynes (Sharon Duncan-Brewster), que nos apresenta o Trajestilador (o traje que reutiliza todos os fluidos gastos pelo organismo e a única maneira de sobreviver ao clima de Arrakis).
Todos esses diversos termos e informações são citados por serem essenciais ao universo de Duna. Villeneuve simplifica o que pode, utilizando soluções audiovisuais. Inclusive, Melange (o nome da especiaria), não é citado durante o longa. E seus efeitos, como por exemplo as visões de Paul e os olhos completamente azuis do Fremen, ficam quase que subentendidos para o espectador. O Efeito Holtzman, que é utilizado nos escudos corpóreos, que protege a pessoa que o utiliza de qualquer tipo de arma a laser, fazendo os combates serem apenas corpo a corpo, é explicado visualmente ao público. Tudo para facilitar a compreensão. E a escolha de adaptar somente a primeira metade do romance é uma escolha sábia, pois já prepara tudo para a segunda parte.
Mas obviamente todo o universo gira em torno do nosso protagonista. A jornada de Paul é o começo da trajetória para se tornar o messias. As habilidades herdadas de sua Mãe (que inclusive quebrou uma das principais regras das Bene Gesserit. Já que elas são treinadas para virarem concubinas dos senhores das grandes casas e podendo apenas gerar filhas), somando com os fortes efeitos da especiaria sob ele. Evidência que ele de fato é o escolhido.
Desde o começo do longa, Paul tem sonhos e visões com o planeta Arrakis e com Chani (Zendaya), uma guerreira Fremen, que apesar de pouco tempo de tela já apresenta o seu futuro relacionamento com o protagonista e terá um papel fundamental na segunda parte. As visões de Paul são foreshadowings, de acontecimentos do próprio filme e da sequência.
E mesmo com todo o esforço do diretor em tornar o romance base em algo mais compreensível. Provavelmente o longa não vá agradar a todos. Uma adaptação requer sempre mudanças e escolhas. Villeneuve optou por contar sua história de forma maniqueísta, onde o bem e o mal são evidenciados, o que deverá desagradar os seguidores de Herbert mais fervorosos. E mesmo simplificando termos tão complexos, tanto a crítica como o público, ainda ficarão confusos com toda a trama, pois realmente não é fácil entender todo o universo apresentado.
Duna (parte um) é uma adaptação que faz jus ao legado da obra-prima de Herbert. Denis Villeneuve conseguiu traduzir finalmente o romance para o cinema. E mesmo se tratando apenas da primeira parte, em termos cinematográficos, estamos diante de um dos maiores épicos de ficção científica já feito. Que venha a segunda metade.