Charlatão (2020) de Agníeszka Holland
O novo filme da cineasta Agnieszka Holland (Filhos da Guerra, Rastros) estreia nos cinemas brasileiros após passar por vários festivais de cinema – incluindo Berlim 2020 -, além de ser o representante da República Checa para concorrer a uma vaga no Oscar na categoria de melhor filme estrangeiro de 2021: O Charlatão (Charlatan).
Trata-se da cinebiografia de Jan Mikolásek (Ivan Trojan), herbicida tcheco que ficou conhecido e bem-sucedido por curar pessoas em sua instituição. Seu método era analisar a urina dos pacientes e a partir daí, criar diagnósticos não convencionais, baseados em uso de plantas e mudança de estilo de vida para os enfermos. Ele curou inúmeras pessoas, desde pobres de vilarejos e até mesmo o presidente da Tchecoslováquia, Antonin Zapotocký. Porém, ele é preso pelo regime comunista tcheco, quando é encontrado em corpos de dois homens estricnina. A partir daí ele tenta provar sua inocência.
O longa é uma cinebiografia bem completa da vida de Jan. Ele não se considerava um curandeiro, apesar do povo e mídia lhe tratar como um. Sua vida foi dedicada a cuidar das pessoas, diagnosticar doenças e cura-las. A película se passa no presente onde Jan está preso e no passado, que utiliza inúmeros flashbacks constantes, onde mostra os traumas dos protagonistas no passado como o conflito com seu pai e a maneira que se tornou um herbicida para tratar as pessoas.
Agnieszka utiliza bem a fotografia e os flashbacks para contar sua história. No presente cores a cinzas marca a película, no passado cores mais vibrantes (verde e amarelo), criando um contraste da vida que Mikolásek está passando. Já que no presente é preso e no passado aprende sua profissão.
Mas o longa está na verdade interessado em mostrar a opressão de regimes totalitários que oprimem o homem. Jan é preso e já está praticamente condenado à morte. A diretora utiliza planos na prisão sempre mostrando a câmera atrás das grades e close-ups que induzem opressão e claustrofobia. Vale lembrar que a estricnina apesar de ser um veneno forte, era comum nos tratamentos na época. Fica subentendido uma conspiração, um crime Mikolásek não cometeu.
Porém o protagonista está longe de seu um homem completamente íntegro. Ele enriqueceu com seu trabalho, diferente do que fazia a curandeira Sra. Muhlbacherová (Jaroslava Pokirná), sua mestra no começo de carreira que não cobrava nada para cuidar das pessoas. Na invasão nazista a Tchecoslováquia, ele ajudou a curar muitos inimigos. O que causou raiva no partido comunista tcheco. E quando o presidente Antonin Zapotocký morre no presente, ele perde sua proteção e começa a ser questionado e perseguido pelo estado.
O filme também é uma crítica a como regimes totalitaristas travam a homossexualidade. Mikolásek e seu assistente Frantisek Palko (Jurai Loj), tinham um relacionamento homoafetivo, que é explorado e tratado como tabu pelo estado.
Infelizmente a película comete um deslize. Fé e ciência nunca chegam a entrar em conflito significativo, é exposta de forma superficial no longa. O que poderia ser mais explorado um antagonismo para criar cenas reflexivas sobre o trabalho de Mikolásek, não passa de algo posto nas entrelinhas. O vilão mesmo é o estado.
O julgamento no terceiro ato é de cortar o coração. As cartas já estão marcadas e Jan e Frantisek não tem defesa. Mesmo assim Agnieszka cria uma cena que nos acalenta o coração perto do final, o que reforça o amor e resistência dos dois personagens.
O Charlatão é a vida de homem que lutou pelo o que acreditava e que foi preso pelo estado que odiava sua fama. Cinebiografia honesta e poderosa sobre lutar pelo que acredita e resistir a injustiças.
Filmografia básica de Agnieszka Holland:
- Complô Contra Liberdade (1988)
- Filhos da Guerra (1990) – indicado ao Globo de Ouro de melhor filme estrangeiro e ao Oscar de roteiro original
- O Jardim Secreto (1993)
- Eclipse de uma Paixão (1995)
- O Segredo de Beethoven (2006)
- Rastros (2017) – Urso de Prata em Berlim, melhor direção
- A Sombra de Stálin (2019)