Ilusões Perdidas (Illusions perdues, 2021) de Xavier Giannoli
O questionamento do conceito de verdade e realidade foi um dos grandes debates da filosofia contemporânea que atravessou o fim do século XIX e todo o século XX. Em nossa atualidade, testemunhamos e participamos ativamente da emergência de novos conceitos que buscam materializar e dar nitidez a uma prática já corriqueira e antiga: a questionável pós-verdade e a produção de Fake News. Autores como Umberto Eco por muitas vezes usaram a instituição do jornalismo como aquela que é reconhecida por manter e cuidar da produção discursiva dos fatos, preservando a verdade. Porém, escolhem narrar como as vontades, desejos e lutas ideológicas levam o ser humano a corromper essas instituições, que passam a agir como dispositivos das vontades políticas e econômicas. O clássico Ilusões Perdidas de Honoré Balzac, antes mesmo dos livros de Eco, já nos mostrava uma França afundada na corrupção e utilização do jornalismo como um instrumento político para chantagear e destruir pessoas.
Essa obra passou por uma adaptação cinematográfica, realizada por Xavier Giannoli, que fora reconhecida em 2021 com várias premiações na academia de cinema francesa. Não é a toa, uma vez que Gianolli dá ares contemporâneo em seu filme, fazendo-o dialogar muito bem com nossa atualidade, onde as redes sociais na internet e o próprio jornalismo são usados para construir e destruir reputações.
Lucien Chardon (Benjamin Voisin) é um jovem poeta cheio de intenções nobres que decide ir para Paris tentar lançar um livro de poesias. Apoiado por sua mecenas – e amante – Louise de Bargton (Cecile de France), ele deixa sua cidade do interior e vai à metrópole cheio de expectativas e sonhos de se tornar um grande poeta. Porém, seus sonhos são desconstruídos a partir do momento em que se insere em uma sociedade onde tudo tem um preço e ser um sonhador de bons valores e ética pura é visto como ingenuidade matuta. Dessa forma, abandonado por que amava, Chardon consegue um emprego em um jornal Liberal que trata o jornalismo como um negócio, vendendo versões de fatos e adulterando perspectivas que corroem a verdade.
O filme de Giannoli aproveita muito bem suas quase 2 horas e meia com paciência, objetividade, metáfora e uma genuína caricatura que, ao mesmo tempo que nos faz rir, não mantém em segredo um funesto clima de réquiem para a tragédia que é a morte de um sonho. O tom de comédia aparece em quase toda narrativa, dando lugar para o drama que Chardon passa ao não perceber que a cada vez que tenta sustentar sua vida de luxo mais ele cai nas garras dos que o odiavam. O contraste entre as situações das diferentes personagens é tratado com uma digna importância pelo diretor, que compreende bem que a história de cada personagem que passa pela vida de Chardon traz em si uma complexa pergunta sobre a natureza das escolhas. Há momentos no filme que nos alivia um pouco, quando, por exemplo, Chardon decide escrever um texto sincero sobre a obra de seu antagonista, Nathan e impera: “fiz pela literatura”. Mas ao mesmo tempo, ficamos melancólico ao perceber que não há como evitar o destino da personagem. Eis ai onde entra a maestria da direção.
O filme poderia cair muito bem em um final obvio. Porém, Giannoli escolhe a estética, transformando o definhamento de Chardon em um espetáculo de uma queda social, mexendo com nossos afetos ao apostar que este ingênuo monstro possuía, no fundo, um carisma que o ator Benjamin Voisin consegue bravamente interpretar. Seu olhar tenso, desiludido dão lugar a um homem poderoso com a pena e a inteligência, ardiloso em suas narrativas inventivas, ganancioso em seus objetivos, orgulhoso em sua queda. O personagem clássico da literatura é brilhantemente interpretado por Voisin que o dá um tom moderno e familiar, como se fosse uma pessoa que todos nós um dia já fomos ou que conhecêssemos de perto. Desta forma, Ilusões Perdidas se porta como um clássico que se encaixa perfeitamente em nosso Zeitgeist, uma vez que a prática jornalística feita por alguns pequenos blogs que se consideram jornalísticos, através de uma variedade de discursos enviesados, moldam a realidade e os acontecimentos para objetivos diversos, sendo alguns deles poucos nobres. Assim, posso dizer que o filme de Giannoli deve ser assistido não apenas como um clássico, mas apreciado como uma obra contemporânea que fala do nosso agora.