Licorice Pizza (2021) de Paul Thomas Anderson
Ao deixar a sessão do novo filme do excelente Paul Thomas Anderson, Licorice Pizza (2021), fiquei me questionando como perceber esta obra na trajetória do diretor. Definitivamente, este é o filme mais leve em sua filmografia, e nem por isso o menos rico. Muito pelo contrário, traz por de baixo de sua camada saudosista, de uma Los Angeles jovem dos anos 1970, com suas cores douradas e pré-neon, uma complexidade típica do que vivenciamos hoje: um conflito entre o otimismo e o pessimismo de um devir político e social que nos traz indefinições. Mas para além disso, esta camada me revelou o fio de Ariadne do diretor estadunidense: o tema que atravessa várias obras de Paul Thomas Anderson (ou PTA, como muitos chamam) é a relação entre o desejo e o vazio.
Puxemos, então este fio. Boogie Nights (1997) nos conta a história de um jovem que vive uma vida vazia e refém do desejo de ser uma estrela, até que encontra uma oportunidade na indústria pornográfica (que está atrelada a um mercado do desejo), que constrói a sua riqueza e sua decadência. Em Magnólia (1999), atravessamos a história de vários personagens que possuem a vida preenchida pela arte do encontro e, assim, trazem a luz todo o seu vazio existencial que se tornam o problema que conduzem o roteiro do filme. Com Sangue Negro (2007) observamos o personagem de Daniel Day-Lewis fazer de tudo para conquistar sua ascensão, mostrando como o desejo de ser o leva a posturas e conflitos morais que beiram a selvageria. Ou o narcisismo do protagonista (o mesmo Daniel Day-Lewis) no classudo Trama Fantasma (2017).
Luxúria, ganância, inveja podem ser percebidos como elementos que rondam e costuram alguns aspectos de suas personagens que conduzem as histórias de seus filmes, ou como se encontram em complexas bifurcações capazes de construir um humanismo cru, características que marcam essas histórias contadas pelo cineasta. Diante disso, imagino que este é o motivo de dizermos que Licorice Pizza (2021) é o filme mais leve de PTA (mais até que o doidão Vício Inerente, 2014), mas não o menos complexo.
Acompanhamos a história do jovem Gary (Cooper Hoffmann), de 16 anos, ator mirim e postulante a empreendedor que se apaixona pela jovem, porém mais velha, Alana (Alana Haims), de 25 anos, que se vira na vida para encontrar um caminho seu e responder aos anseios conservadores de familiares e amigos que tiram sua paciência. Ao se esbarrarem, inicia-se uma relação que faz aparecer a complexidade temática de Paul Thomas Anderson: em uma Los Angeles dos anos 1970, em meio ao confuso cenário sócio-político estadunidense, dois jovens se encontram, se aproximam, criam laços e tateiam um desejo que pode ou não se tornar amor, se não fossem os desejos de ambos em serem independentes para conquistarem o sucesso.
Cooper, de 16 anos, é o ícone do otimismo, enquanto Alana, de 25 anos, é desconfiada, o que a torna blasé com os chatos moleques que fazem parte da vida de Cooper. Ambos buscam grandeza e segurança, mas a química que há entre os dois é barrada pelo desejo de ser que moveu o personagem de Daniel Day Lewis, em Sangue Negro (2007). Alana e Gary buscam a segurança e os caminhos para a grandeza, mas quando falham, sempre encontram um no outro, aspectos que são o guarda-chuva de suas sanidades mentais, o que permitem que continuem suas buscas.
E é nessa malha que Thomas Anderson constrói a sua noção de amor. Esqueçam aquela história de se assemelharem, de quanto mais parecido mais se encaixa o amor romântico. Não, não e não. Licorice Pizza traz o prazer de encontrar o amor na preocupação, na insegurança, no soltar a mão para experimentar o escuro, mas sempre, aparecendo no olhar que procura encontrar e saber se ele ou ela está bem. O que constrói o amor aqui é exatamente o sofrimento do vazio, do incerto, do errado. E é explorando essas duas juventudes em graus diferentes que se relacionam de uma forma imperfeita que Paul Thomas Anderson nos mostra a sua visão pura do amor: no desejo de amar e ser amado.
Dessa forma, a obra é construída através de uma fotografia de cores quentes, cheias de flaires quando necessária para mostrar as cenas marcantes e divertidas para o casal, e apesar de beirar um romantismo brega, faz todo o sentido para a história contada. Estão lá os planos sequências característicos do diretor, quando quer trabalhar o tempo e as reações das personagens, principalmente quando tem a ver um com o outro. Mas há, principalmente, o acerto na escolha do elenco. A vida dada a Alana e Gary por, respectivamente Alana Haim e Cooper Hoffmann, brilham na tela, assim como brilha o diretor. É perceptível a sutileza do olhar e o desejo embutido neles em uma luta constante contra o vazio que atordoava a juventude daquela época – contrastem essas personagens com as de Boogie Nights (1997) e vocês entenderão o que digo.
De condução despretensiosa, que o dá uma naturalidade que o torna gigante e capaz de marcar a filmografia do diretor Paul Thomas Anderson, vale a pena se deixar levar por esse romance juvenil que tanto nos fala a nós, adultos. Doce e sutil história de amor, Licorice Pizza é um dos azarões (quem sabe o maior) do Oscar 2022. Indicado para três prêmios da Academia (melhor filme, direção e roteiro original, ambos para PTA), o filme não precisa do Oscar para brilhar, mas na verdade é o Oscar que precisa mais da produção entre os seus nomeados para se fazer mais respeitável.