Aranha (Araña, 2021) de Andrés Wood
Aranha, o novo longa do cineasta chileno Andrés Wood (Machuca, 2004), utiliza uma abordagem interessante para discutir sobre política e o impacto dos regimes autoritários presentes na filmografia do diretor. Aqui, o realizador foca sua narrativa no lado dos “vilões”, ou melhor, “os cidadãos de bem”, para expressar sua crítica ao passado que ecoa perfeitamente no presente.
O Filme se passa em dois momentos: No presente, onde depois em uma perseguição a carro, um homem mata um rapaz que furtou a bolsa de uma senhora. Com a chegada da polícia, o veículo é revistado, onde é descoberto um arsenal de armas. Conhecemos então Geraldo (Marcelo Alonso), um militante de um grupo terrorista nacionalista que odeia o povo que considera “não chileno” (os imigrantes de países vizinhos).
Mas para nossa surpresa, Geraldo, não vai para prisão e sim uma clínica psiquiátrica, fruto da rápida ação de Inés (Mercedes Morán), que quer silenciar e seu antigo parceiro de militância. Saltamos para 1971 e descobrimos que Inés (María Valverde, em sua versão mais jovem), Justo (Gabriel Urzúa), então seu namorado e Geraldo (Pedro Fontaine, sua versão mais jovem), participaram do grupo nacionalista neofacista, “Pátria e Liberdade”, onde o símbolo parecia uma Aranha (nome do longa), que tentou derrubar o governo socialista de Salvador Allende.
Hoje ricos e bem sucedidos, Inês e Justo (Felipe Armas, sua versão mais velha), hoje seu marido, tem medo que seu antigo parceiro, que estava desaparecido desde um incidente que envolveu os três e marcou a história do Chile, fale sobre sua participação no “Aranha”. Fora relembrar os fantasmas do passado que uniu o trio de outra forma: um triângulo amoroso.
Apesar de escolher o lado negro da história chilena para contar trama. O diretor conseguiu ser extremamente universal. Durante todo o longa, me peguei pensando: “Com as devidas adaptações. Esse filme poderia se passar em diversos locais do mundo” (Inclusive a película é uma Coprodução: Chile, Brasil e Argentina). Inês e Justo são os clássicos “cidadãos de bem”. Mesquinhos, que se escondem atrás das aparências construídas hoje pelas boas ações que nada mais são para enriquecer ainda mais. Geraldo o oposto da mesma moeda: Um homem que ainda vive no passado, mas que se difere do seus ex-companheiros, se dá por ainda adotar o extremismo, a falta de oportunidades e o dinheiro.
A edição e montagem do longa é eficiente. Os saltos temporais por raccords, são sempre temáticos: transições marcadas por algum sentimento ou uma lembrança que interliga passado e presente dos personagens. Mérito da editora Andrea Chignoli que organiza e potencializa o roteiro de Guillermo Calderón.
A fotografia M.I. Littin-Menz (fotógrafo em Machuca e também em A Vastidão da Noite, melhores longas de 2019) e da direção de arte Rodrigo Bazaes, marcam muito bem o tempo. Passado: Com leve filtro sépia e cores das vestimentas bem vivas (marcando os anos 70); Presente: elementos limpos ou completamente sujos, para marcar as desigualdades do país.
Apesar da forte pesquisa e contextualização histórica. O longa de Wood tem sua verdadeira força na construção de seus personagens. Inés e Justo é que seduzem Geraldo ao grupo no passado. Sedução inclusive, é característica principal, da protagonista, que sabe manipular bem o amigo “cabeça-quente”, seja por sexo, dinheiro ou influencia (características que não mudam para ambos, tanto no passado e presente). Já Justo, esse sim, tem uma mudança significativa. Nos dias atuais, ele se tornou um alcoólatra, muito diferente do personagem que fora antes.
Inés e Geraldo é que realmente conduzem a narrativa. O que poderia ser clichê (fazer os dois se apaixonarem), é uma ótima sacada do diretor, para no futuro construir as diferenças que no presente os divide socialmente. E de todas as boas escolhas que o realizador toma, é ter a coragem de fazer que o espectador não torça por seus personagens, além de negar qualquer tipo de redenção. Nesses quesitos, tive a sensação de estar vendo algo de Scorsese (mas que fique bem claro que não passa do apenas do sentimento. Porquê não há nada que assemelha o Chileno ao Norte Americano).
Talvez o único “defeito” do longa tenha seja para um entendimento completo, que o público saiba um pouco da história Chilena. Já que o governo de Salvador Allende, antecede a ditadura de Pinochet. Que outros fatos históricos e personagens como Antonio (Caio Blat), líder do “Pátria e Liberdade”, tem uma importância pontual na trama. Nada que tenha me impedido de gostar menos do filme, graças a sua mensagem universal.
E não a algo mais tenebroso e atual, que acontece em todo mundo, do que a última frase de Geraldo no filme. Eu como Brasileiro, apesar de não sentir completamente na pele, consigo ouvir o eco do que ele diz, seja na mente ou na fala de milhões de cidadãos, extremistas ou não, infelizmente.
Aranha é um filme mais relevante e atual do que nunca. Infelizmente não entrou na escolha dos longas internacionais do Oscar de 2020. Mas para consolar o diretor, o Chile mudou recentemente a sua constituição que vinha de Pinochet. E tem tudo para que mudanças reais aconteçam no país.