A Jaula (2022) de João Wainer
Sendo o primeiro longa ficcional, o diretor João Wainer (“Pixo” e “Junho – o Mês que Abalou o Brasil”, ambos documentários) até que se sai bem em A Jaula. O filme é um remake argentino de “4×4”, a partir de adaptação de João Candido Zacharias. A ideia que move a trama é funcional e a tensão é crescente. Entretanto, mesmo que a mensagem seja válida, e toque nas feridas sociais brasileiras, o realizador peca em construir uma película que vá além de questões que já movem o imaginário do senso comum.
Djalma (Chay Suede) é um ladrão que entra com facilidade em uma SUV estacionada em uma rua pacata, porém ao tentar sair, percebe que entrou em uma armadilha. O carro na verdade serve como uma grande jaula, quem entra fica incomunicável, sem água ou comida. Esse plano é uma vingança arquitetada por um famoso médico (Alexandre Nero), que já foi tantas vezes assaltado na vida, e criou uma forma de punir os assaltantes. Logo entramos em um thriller psicológico, onde nos faz questionar sobre a barbárie e o que de fato é justiça.
O longa abre com a cidade de São Paulo ainda acordando, seguido de diversos cortes em vários locais diferentes, onde está passando aqueles clássicos programas policiais sensacionalistas. Mérito da montagem de Cesar Gananian, que intercala os pontos da cidade, mostrando cercas, arames e também a pobreza, indicando ao espectador dois pontos cruciais: O perigo assola a cidade, assim como a desigualdade social. E a escolha ficarmos ora vendo, ora apenas escutando a narração em off, de uma mulher que serve como uma espécie de Datena, que fica a repetir que nós estamos em uma sociedade falida, já expressa a mensagem que realizador quer nos passar desde o início.
Mas quando Djalma invade o carro com certa facilidade e percebe que entrou em uma grande armadilha, é que o longa vibra. E angustiante e palpável o desespero do personagem passa a tentar inutilmente escapar de todas as maneiras, muitas vezes essas o prejudicando. Palmas para o diretor de fotografia Leo Resende Ferreira, que consegue em uma única locação criar um ambiente hostil e muitas vezes claustrofóbico, entre close-ups e outros planos abertos, sem perder a essência desesperadora.
O roteiro assinado por Mariano Cohn e Gastón Duprat é sagaz. Quando por meio de ligação conhecemos o médico que prendeu Djalma, percebemos que ele é um clássico “cidadão de bem”, como ele próprio diz, que está com raiva e com razão, de já ter sido assaltado 28 vezes na vida. E a partir daqui Wainer constrói uma narrativa, onde quem é vítima ou vilão, se misturam, dando motivações para ambos os lados e levando a o espectador a constante reflexão de qual lado torcer, por apresentar o passado errático do protagonista preso e médico revoltado que não tem nada mais a perder. Aqui mora o deslize do texto, ao estabelecer uma convenção tão presente no cinema, mas que não é aproveitada. Para não entrar no território de spoilers, a única coisa que posso dizer é que envolve uma tosse. Por sinal, as atuações dos dois atores são o ponto alto da película.
Mas é aqui que o longa pode dividir opiniões, do sadismo como o médico trata Djalma, e por mais que nunca conseguimos torcer por ele, também questionamos as atitudes mórbidas do doutor. “Bandido bom. É bandido morto?” Wainer caminha em uma linha tênue, em que mexe nas feridas da sociedade, e por mais que sejam válidas, nos fazendo constantemente questionar se o que acompanhamos no filme é justiça. Se essa é a atitude do diretor, ele acerta em partes, por muitas vezes ela linha moral seja ultrapassada.
Entretanto, o grande problema no longa mora justamente no terceiro ato. Por um breve momento. Djalma escapa do carro, porém vira refém do doutor e grande midiático entra ao redor deles. O programa sensacionalista que tem o índice de audiência ao subir pelo estranho caso, os policiais que tentam resolver a situação e a população que acompanha o caso.
E a partir daí um festival de obviedades são ditas pelo doutor enquanto faz de refém o ladrão: “Quem nunca foi assaltado levanta a mão?”, “Direitos humanos apenas para vagabundo?”, “Vocês policiais que ganham tão pouco, vão ficar do lado dele?”. São questões, que principalmente boa parte da nossa população pensa, mas que soa cada vez mais apelativas e caricatas, por mais que questionamentos sejam válidos. Isso se acentua, quando o programa de TV, coloca uma enquete: “Vote: O doutor mata ou não mata o vagabundo?”. Quanto mais o diretor tenta passa essa mensagem, mas o longa vai fugindo da proposta ‘vítima e vilão” e assume questionamentos impossíveis de se responder, mas que vão além de direitos humanos básicos, por mais que na trama criada, faça sentido.
A conclusão não poderia ser mais óbvia. Inclusive, esquecendo o elemento em que coloquei entre aspas acima envolvendo a tosse. Entretanto, se posso apontar um acerto no desfecho, é como realmente a barbárie em que vivemos é grande. Pois tudo que testemunhamos já é prontamente esquecido em seguida, como se não víssemos algo que nos deveria nos chocar profundamente.
A Jaula é um longa que acerta na média. A ideia da armadilha move muito bem toda a narrativa e cria uma tensão constante. Porém, a mensagem de João Wainer, por mais que construída de maneira para trazer questionamentos a espectador, vai dando lugar ao apelo e a caricatura de perguntas que por mais que não tenham respostas, soam mais como uma reflexão que já passou por diversas vezes por nossas cabeças e que infelizmente, é aproveitada de maneira nefastas, não por médicos em busca de justiça, mas por quem detém poder no nosso país para implementar uma cultura do medo.