Como compositor, já foi gravado por Titãs, Ana Carolina, Maria Rita, Thaís Gullin e Fagner. Escritor, já publicou dois livros (Esmalte Vermelho, 2008; e Ópera Brasil de Embolada, 2010). Seu primeiro longa-metragem foi “Totalmente Inocentes” (2012), no qual dirigiu, escreveu e fez a trilha sonora. Ficou entre os seis filmes de maior bilheteria do ano de 2012, na frente de diretores como Walter Salles e Fernando Meirelles. Conheça Rodrigo Bittencourt, multi-artista que no próximo dia 25 de maio (quinta-feira), estreia seu segundo longa nos cinemas, o thriller político “Real: o Plano por trás da História” (2017). Por isso, Rodrigo conversou com exclusividade com o Clube Cinema/Tribuna do Ceará. O longa conta os bastidores da implementação do Plano Real em 1993 e segundo seu próprio realizador, uma obra repleto de jogo de olhares shekeaspearianos com muito ritmo, capaz de deixar o espectador grudado na tela.
Clube Cinema: Quem é Rodrigo Bittencourt? Conta um pouco da sua trajetória como profissional múltiplo até chegar no audiovisual…
Rodrigo Bittencourt: Daniel, aconteceu por acaso (o acaso não é por acaso). Eu era músico, poeta, ator e comecei um projeto no Rio de Janeiro, na casa de cultura Laura Alvim, “Te vejo na Laura”. A poeta Maria Rezende e eu apresentávamos, produzíamos e ainda mostrávamos nossos trabalhos ali. Durante três anos, fizemos bastante sucesso com esse projeto multimídia, onde todo mundo queria participar. Por ali, passaram muitos artistas novos e ja consolidados. Cacá Diegues, Caetano Veloso, Ruy Guerra, Jorge Manter, Moska, Ana carolina, todos os poetas que você puder imaginar e músicos e cineastas e artistas plásticos… Juntávamos sempre pessoas consolidadas com artistas em começo de carreira.
Uma vez resolvemos fazer um especial pro Ferreira Gullar e acabamos tendo a ideia de ir a casa dele fazer um entrevista… Chamamos um amigo diretor de documentários, Pedro Cesar (Fabio fabuloso) ele foi captar as imagens com a câmera. Gullar se disse muito animado com a entrevista e nos aconselhou a fazer um filme, um curta sobre ela. Eu não entendi o que ele estava falando… Como assim um curta? Eu não me imaginava nessa área. Mas assim fizemos… produzimos, dirigimos, Maria montou. O SESC comprou o filme depois que o viu passando no Festival do Rio. “Por acaso Gullar” causou o frison na época e com a grana do SESC, eu decidi fazer um novo curta. Só que agora eu faria tudo, personagem principal-fotografia-câmera-roteiro-produziria…
O curta se chamou “procurando Jorge Mautner”. Eu não sabia nem pegar numa câmera. Coloquei ela no automático e fiz tudo na mão e na raça. Raça que eu consegui tendo nascido e morado numa favela-bairro (Bangu). O curta foi pro Festival Internacional de SP e também fez barulho. Nesse dia, o Paulinho Mendonça, presidente do Canal Brasil, viu o curta e me perguntou se eu não queria fazer uma série, porque o curta daria uma série. Há 10 anos, não existia nada desse boom de séries no Brasil, Netflix, nada disso, ninguém via séries. A minha foi uma das primeiras. Chamava “Procurando quem?” Não sabia nada, como fazer as sinopses ou como criar a série, mas criei a serie novamente na raça e ela passou no horário nobre do canal.
Na segunda temporada, a operadora Claro patrocinou e eu ganhei uma grana. Então decidi viajar o mundo (meu sonho que achei que jamais iria realizar, porque eu era bem pobre) e quando voltasse, eu iria produzir 5 curtas de ficção pagando equipes para realizar eles. Produzia, escrevia e dirigia… Foi uma cagada! Eu errei feio nos três primeiros e no quarto (Hiato) ficou bem bonito, mas quase nenhum festival pegou. Fui alertado a parar porque só me sobravam 10 mil reais na época pra fazer o quinto. Disse para todos e para mim mesmo que se eu tinha previsto fazer 5 eu iria fazer os 5, como um bom capricorniano que sou. Fiz o quinto em inglês com o Cauã Reymond.
O filme foi pra vários festivais pelo mundo e assim, em um festival em Miami, acabei conhecendo produtores e distribuidores, que acabaram gostando do meu curta. Começaram a me perguntar se eu tinha um roteiro de longa. Eu menti e disse que tinha. Nunca tinha escrito um roteiro de longa na vida. Cheguei em casa abri o laptop e pensei: “Fudeu! Sobre o que quero falar? Onde posso ver um buraco no cinema brasileiro pra eu entrar?” Encontrei a saída numa sátira de favela movie, “Totalmente Inocentes”, onde fiz o roteiro, a direção musical – compus várias músicas – e dirigi. O filme fez mais de meio milhão de bilhetes e ficou entre os sete brasileiros de maior bilheteria em 2012.
O primeiro a ler foi o Cacá Digeres, que havia conhecido no “Te vejo na Laura”, onde também havíamos feito um especial para ele. Nos tornamos amigos e ele escreveu a orelha do meu primeiro romance “Esmalte Vermelho”. Ele indicou o meu roteiro em um e-mail para Rafa Britz. A Rafa leu, adorou e ligou pra Mariza Leão. Elas fizeram um parceria inédita produzindo meu filme. Foi o primeiro rodado no Brasil com a câmera digital Alexia e lançado em 100 salas num lançamento totalmente digital, também pela primeira vez no Brasil. O filme foi meu primeiro e o primeiro do Fábio Porchat. Lancei o Porchat para o cinema. E aqui estou.
Clube: Como surgiu a ideia de “Real: o Plano por trás da História”? É baseado em um livro, não é?
Rodrigo: Eu fui chamado para dirigir o filme. Fui indicado por Ivan Teixeira, que soube de mim pelo Fabio Burtin, meu fotógrafo de “Totalmente Inocentes” (2012) de “Real – O plano por trás da história” e do meu terceiro longa, que rodo agora em julho – “Missão Cupido”, produzido pela americana Paramount Pictures e pela Raccord, produtora carioca das queridas Clelia Bessa e Rosane Svartman. Depois, o produtor do filme Ricardo Riahn me ligou, no mesmo dia havia lido o roteiro, e em uma semana eu estava no projeto conversando com ele e com Marco Audrá.
Eles precisavam de um aval do meu nome na Globo Filmes e, novamente, Cacá Diegues entra na minha vida (Cacá escreveu a orelha do meu primeiro romance “Esmalte Vermelho” e me ajudou muito no meu primeiro longa). Ele está na Globo Filmes e quando meu nome bateu lá, ele assinou embaixo junto com Edson Pimentel e com Fernando Meirelles. Eu amo meu mestre Cacá e adoro Edson Pimentel, são pessoas que levam o cinema brasileiro para frente.
Depois, entrou a Paris Filmes com Fraccaroli, que também já distribuiu meu primeiro longa, uma pessoa que respeito muito e por quem tenho muito carinho. Com Fernando Meirelles, sempre que falo por e-mail é muito bom também. O Fernando tinha me conhecido porque soube que eu ia fazer uma sátira de Cidade de Deus e adorou. Ele viu o meu primeiro corte e me deu ideias e dicas em ‘Totalmente Inocentes”. Foi como um sonho. Cacá, Fernando, Walter Salles e Padilha são meus diretores preferidos junto com Glauber! Costumo ler muito desde que me entendo por gente.
Clube: Como funciona o seu processo criativo?
Rodrigo: Meu processo criativo é bem particular. Eu tenho vários TOC’s lendo ou escrevendo roteiros, que me fazem, por exemplo, ler e escrever duzentas vezes um mesmo diálogo ou período. Isso faz com que eu entenda profundamente o filme que estou escrevendo ou o que estou lendo. Por exemplo, se eu erro uma palavra, eu reescrevo todo o diálogo ou releio toda uma cena por causa disso… é um processo extenuante, mas que me faz aprofundar muito sobre o texto.
Meu lado músico também interfere em toda a minha vida e interfere muito antes de ir pro set. “Pensar é fazer música”. Sempre que pego um filme, série ou escrevo um poema ou um livro, eu penso em música. Sempre. Construí esse filme, antes de ir filmar, lendo o roteiro, com a cabeça na música e no ritmo dele. Trabalhei com a ideia de uma ópera rock. Como o protagonista tem uma personalidade rock n’ roll, decidi que a guitarra seria seu instrumento e compus a trilha – mesmo as partes orquestrais – com ideia de rock na cabeça e de muitos riffs. Toco guitarra desde pequeno.
O ritmo de um filme ou de uma cena ou de um ator se movendo ou da câmera, tudo é pensado antes por mim, onde construo uma espécie de partitura rítmica pra tudo, antes de tudo. O universo começou com o grito de Deus, tipo “eureka” de Enstein! Esse grito, esse som, fez a musica do universo. Então, eu trabalho com luz e som, dois dos acontecimentos mais especiais do universo.
Clube: Por que levar essa história para as telas?
Rodrigo: Porque estávamos vivendo uma crise enorme politica, econômica e principalmente de autoestima. O que o Plano Real deu ao brasileiro foi a autoestima de volta. Deixamos de ser vira-latas pra sermos inventores de uma ideia genial que salvou o país naquele momento. Veja bem, é preciso que fique claro que eu estou falando do cerne de um ideia, não estou falando do que os políticos fizeram depois com ela. Isso não me interessa como artista ou como um homem brasileiro que celebra grandes ideias. O PT era super contra o Plano, mas depois o usou no que era comentado comumente na época como o tripé econômico. Ou seja, quando um plano extrapola as linhas do poder da política e do que políticos querem fazer (apenas pro seu próprio bem e não para o do povo) quando um plano consegue, uma ideia consegue, extrapolar a má fé e a ânsia por poder, temos aí uma ideia genial e maravilhosa que demorou muitos anos até conseguirem destruir…
Veja o exemplo da Tropicália, uma ideia genial que foi atacada pela direita e também pela esquerda da época. A esquerda da época, nas próprias palavras do Caetano, não gostava do que eles estavam fazendo, não entendiam… Mas a Tropicalia é celebrada até hoje como um movimento dionisíaco e apolíneo que levou o Brasil uma criar estética muito poderosa e avançada, como fez com o Cinema Novo e a Bossa Nova. Isso extrapolou a política. O Plano Real também, naquele momento extrapolou a pobre e sombria ânsia de poder da esquerda e da direita e comunicou não só com economistas do mundo inteiro, mas com o povo do Brasil. Isso pra mim é potência e potência nesse nível é genialidade.
Sou um homem, um artista, interessado no Brasil e em ideias geniais, como foi a ideia do Plano Real. Então, o trabalho vem da empolgação de uma grande ideia, dessa grande idéia que salvou o país da hiperinflação e deu a chance ao povo de ter um pouco mais de dignidade. Quando você ia a um supermercado comprar uma lata de sardinha e ela custava x em um dia e no dia seguinte ela custa 2x, você não está beneficiando o povo e sim as elites, os empresários e os bancos… Quando você acaba com isso, você esta agindo em prol do social. Grandes ideias e grandes pessoas me interessam e me empolgam muito. Porque são essas pessoas e essas ideias que fazem um país.
O Plano Real foi empolgante, então foi um prazer pra mim fazer um thriller político sobre um assunto tão interessante e tão positivo para o país, que foi celebrado no exterior com essa grande ideia, deixando de ser apenas um país dionisíaco, mas também um país apolíneo. Então, levar essa história para as telas de cinema é fundamental para que os jovens possam entender melhor o passado, porque entender o seu passado é construir um presente e um futuro mais interessante.
Além disso, existe uma história pessoal minha para que eu tivesse vontade de dirigir esse filme e ainda fazer a trilha sonora dele. Há alguns anos, estava com meu pai, almoçando em um restaurante no Rio, quando o FHC entra no mesmo restaurante. Meu pai foi conversar com ele, até que ele voltou à mesa e me disse: “você tem que dirigir um filme importante pro seu país. Você precisa ler o livro de Guilherme Fiúza sobre a construção do Plano Real, o ‘3000 Dias No Bunker: Um Plano na Cabeça e um País na Mão’”. Li! Muito tempo depois (e isso que é a loucura) meu pai faleceu. Seis meses após o falecimento dele, fui chamado pra dirigir esse filme.
Clube: Acha que o público conseguirá ver uma importância social por trás do projeto?
Rodrigo: Nao tenho dúvidas disso. O Plano Real beneficiou o povo pobre do país e não os ricos. A inflação, os juros, beneficiam os ricos. O Plano Real foi uma ação social das maiores. Fora isso o público vai se interessar pelo filme em si, é um thriller político jamais feito no país. Somos os primeiros. Os pioneiros nesse tipo de cinema aqui. O filme está com um super ritmo e prenderá o expectador até o fim com os olhos grudados na tela.
Clube: Fernando Henrique Cardoso visitou o set, teve algum envolvimento pessoal ou emocional na sua obra?
Rodrigo: Fernando Henrique não me visitou, visitou o set do filme e não foi uma decisão minha. Eu não tive contatos com políticos e nem teria, fiz um filme livre desse tipo de influência. Mas admiro FHC, assim como admiro Lula, acho que os dois trouxeram avanços para o país, mas eu admiro mais artistas, físicos e filósofos, são essas as pessoas que mais admiro, as que me emocionam. Jamais deixaria um político influenciar meu filme. Um filme é uma obra de arte, sempre. Eu sou um artista, não tenho nada a ver com políticos.
Clube: Como se deu a escolha do elenco?
Rodrigo: Tive o apoio do produtor do filme Ricardo Riahn, que se empenhou muito em trazer os atores que eu pedia para ele e os produtores de elenco Guilherme Gobi, Vânia e Aletheia fizeram um trabalho muito bom!
Queria um elenco forte, tinha que ser. Muitos dos atores eu conhecia do teatro e os queria muito. Foi o caso da Mariana Lima (minha musa), Gui Weber, Benvindo Siqueira, Norival Riso e o grande lorde que é o Fernando Eiras que tinha visto fazendo o Frederico Niti (assim que eu chamo o filósofo alemão, meu preferido junto com Deleuze). Criei a personagem de Cássia Kis para o filme. O personagem era um homem e não tínhamos uma mulher, uma personagem forte para brigar de igual para igual com Gustavo Franco, interpretando pelo Emílio Orciollo Netto, que fez um teste primoroso! Chegou vestido de Gustavo Franco. Foi um deleite trabalhar com ele, viramos amigos e construimos um personagem rock n’ roll! Emílio é um ator incrível, todos eles são!
Ainda temos a Paolla Oliveira, que é uma atriz muito, muito dedicada e arrebenta no filme, porque ela se joga. Temos o Tato Gabus Mendes que é um samurai. Eu conheço a cabecinha deles rs.
Eu também precisava de um elenco que entendesse rápido o que eu queria, porque eu tinha na cabeça o que eu queria fazer em relação ao jogo de olhares shekeaspearianos no filme. Trabalhei muito isso com os atores. Você vai poder reparar e perceber que muita coisa é dita nesse filme somente com o olhar e esse tipo de silêncio e estética não é muito usada no nosso cinema. Meu filme esgarça essa possibilidade estética.
Fale um pouco sobre os principais nomes, por favor…
Rodrigo: Vou começar pelo Emílio Orciollo Neto, um ator espetacular. Fizemos um parceria muito especial para construir o Gustavo Franco que eu imaginava para o filme. Emílio tem muitas ferramentas e é um artista especial.
Tato Gabus Mendes para mim é o Tom Jobim dos atores, take único quase sempre, um sujeito que mesmo não tendo feito cinema na vida, entende completamente o que um grande ator de cinema deve entender. Ele é sutil, é um samurai da interpretação. Além de ser um gentleman. Emílio e Tato são capricornianos como eu. Isso fez com que nós virássemos amigos quase que instantaneamente.
Gui Weber também é diretor de cinema e de teatro. Gui é um artista incrível, tenho profunda admiração por ele.
Mariana Lima é minha musa, ela tem muita classe e aquela voz que ela tem… e aquele rosto super expressivo! Quando o rosto da Mariana aparece na tela, eu fico excitado esteticamente. Fernando Eiras, um ator com quem eu sempre, sempre quis trabalhar na minha vida. Ele é um príncipe e a maneira que ele interpreta é única. Cássia Kis, eu acho que não preciso falar nada sobre ela. Ela é uma deusa.
Paola Oliveira tem raça e tem qualidade de sobra. Se tivesse nascido nos EUA ou na Inglaterra ou na França, certamente, seria uma musa internacional. O rosto da Paola é inacreditável na tela. Além dela ser um pessoa super sensível na hora de interpretar e super concentrada.
Kleber Toledo chamei porque termos conversado de fazer o meu próximo longa juntos, sonhei com ele numa leitura desse meu novo longa “Missão Cupido” que filmo em julho (e que escrevi roteiro, dirijo e faço a trilha sonora). Kleber é uma pessoa muito sensível, que não cai na armadilha da beleza. Ele é um ator em construção, que vai muito longe se continuar focado assim e com seu ego muito no lugar como ele vem fazendo. Tenho muito carinho por ele.
Bemvindo Siqueira é uma força da natureza. Tive a sorte de pensar nele para fazer Itamar Franco. Esse cara tem uma das maiores energias que eu já vi em uma atuação e a cena que eu mais gosto do filme é uma dele, em que ele está no comando.
Quais filmes se inspirou para fazer “Real: o Plano por trás da História”?
Rodrigo: Não me inspirei em nenhum filme ou série.
Qual a diferença de fazer uma comédia estilo paródia americana (Totalmente Inocentes), para um filme mais sério, baseado em uma história real?
Rodrigo: Diferença total, hahaha! (Risos). Eu adoro todos os estilos de cinema, vou fazer agora uma comedia romântica surrealista (“Missão Cupido”). Sobre “Real – o Plano por trás da História”, é um filme histórico, que vai ser provavelmente usado nas faculdades para estudar uma época do nosso país. Foi uma honra, é uma honra participar de um projeto como esse, super importante para nossa história. Desejo poder sempre estar envolvido com projetos importantes sobre o meu país que eu amo tanto.