No dia 17 de maio chega às salas de cinema Tungstênio, dirigido pelo cineasta Heitor Dhalia, o mesmo de O Cheiro do Ralo (2006) e À Deriva (2009). O longa é baseado no quadrinho homônimo do autor brasileiro Marcello Quintanilha, que venceu com a obra o Festival Internacional de Quadrinhos de Angoulême, na França, na categoria thriller. Ambientada em Salvador, a narrativa é transportada agora em um filme de 1h20, numa adaptação que surpreendeu o quadrinista: “Eu fiquei maravilhado com o resultado. A maior surpresa, dentre tantas maravilhosas, talvez seja a fidelidade à obra original”, afirma Quintanilha.
Tungstênio explora as tensões que permeiam as relações humanas, em que ações aparentemente banais são capazes de refletir consequências absolutamente imprevisíveis.
Inspirada numa notícia de rádio, a HQ de Quintanilha tem como fio condutor o crime ambiental cometido por dois pescadores, que promoviam a pesca ilegal com utilização de bombas no Forte de Monte Serrat. A situação foi capaz de efervescer a cabeça do quadrinista, que partiu desse fato isolado para apresentar quatro histórias: Richard, um policial movido por seus instintos; Keira, esposa, presa na empreitada de tentar abandonar o seu intempestivo marido; Caju, pequeno traficante de drogas, que só pensa em como sobreviver mais um dia; e Seu Ney, um ex-sargento saudosista, preso nas memórias do passado num quartel. Munidas de tensão, as trajetórias individuais dos personagens se cruzam em uma história de ritmo eletrizante.
O autor, que havia recusado ofertas anteriores para transformar sua obra em filme, se sentiu seguro para permitir que Heitor Dhalia transportasse o universo de Tungstênio para as telonas: “Não houve nenhuma outra razão a não ser a admiração que já nutria pelo trabalho do Heitor e receber sua proposta foi extremamente gratificante”. Segundo ele ainda “é fantástico quando você tem a experiência de que atores agreguem elementos de sua mitologia pessoal para dar vida a personagens que anteriormente estavam concebidos para existirem somente no papel’’. Sucesso da crítica, o quadrinho Tungstênio, agora como obra cinematográfica, aparece como uma experiência “viva” e “mutável’’, de acordo o autor. As expectativas de Quintanilha em relação a obra são positivas, já que segundo ele “tudo contribuiu para que se obtivesse a melhor atmosfera daquilo que estava concebido como quadrinho’’.
Confira a entrevista completa com Marcello Quintanilha:
1. Como surgiu Tungstênio em sua vida?
Tungstênio surgiu do meu interesse por explorar as relações interpessoais mediadas pela subjetividade que as determinam. Muitas vezes em um sentido que ultrapassa a mera urbanidade, derivando em episódios de violência explícita.
2. Por que Salvador como cenário para essa história e qual o peso que as paisagens têm em suas criações?
Salvador sempre esteve no meu imaginário, especialmente por sua importância no que se refere ao amálgama de elementos que nos configuraram como nação. Ter a oportunidade de abraçar seu chão pela primeira vez em 2003, me marcou imensamente. Desde então, a cidade reapareceu em outras histórias, mas nunca apenas como elemento cenográfico e sim, como um personagem, exercendo papel chave na elaboração dos enredos.
3. Como foi o processo criativo que o fez chegar na conclusão dos personagens Richard, Keira, Seu Ney e Cajú?
Tudo começou com uma notícia de rádio. Em 2003, fui convidado para elaborar um livro sobre a cidade de Salvador e, durante o processo, adquiri o hábito de ouvir a rádio local baiana — AM — que em determinado momento noticiou a prisão, efetuada por um policial à paisana, de dois indivíduos que pescavam utilizando bombas nas imediações do Forte Monte Serrat. Nenhum dado a mais foi transmitido e antes que pudesse perceber estava imaginando uma vida, uma teia de acontecimentos por trás do ocorrido. Assim, foram surgindo as personagens e suas peculiares formas de proceder.
4. A obra levanta discussões muito presentes em nossa sociedade e, quando juntos, esses temas provocam uma explosão e tensão social. Esse é o tema central da obra?
A tensão que permeia as relações humanas é o verdadeiro tema da obra, dentro de uma dinâmica na qual ações aparentemente banais podem gerar consequências absolutamente imprevisíveis.
5. Você recusou diversas propostas de adaptação de Tungstênio para os cinemas. O que o levou a aceitar a proposta do Heitor Dhalia? O que o motivou tal escolha?
Na verdade, não houve nenhuma outra razão a não ser a admiração que já nutria pelo trabalho do Heitor e receber sua proposta foi extremamente gratificante.
6. Você participou de importantes etapas desta produção. Desde o roteiro as filmagens. O que mais te marcou nesse projeto?
Sem dúvida nenhuma, a entrega de todas as pessoas envolvidas.
7. Você também participou da escolha do elenco? Para você, como foi a experiência de materializar seus personagens?
Não participei da busca pelo elenco, mas fiquei encantado com as escolhas. Foi maravilhoso observar como cada ator é capaz de agregar elementos de sua mitologia pessoal para compor personagens que antes só existiam no papel, sem subtrair-lhes nada da essência que os consolida como indivíduos na trama. Fascinante.
8. Os personagens são intensos e compartilham a violência (seja física ou verbal) como reação às suas fraquezas, gerando uma explosão de caos e sentimentos. Visivelmente, são personagens contemporâneos. Como você enxerga a relação Tungstênio x sociedade atual?
Como um reflexo dos caminhos que se estabeleceram para as relações dentro e fora dos círculos de poder, por meio de mecanismos de autopreservação e indulgência que ditaram as normas mais comezinhas de convivência em nossa sociedade.
9. Você ficou satisfeito com o resultado? O que mais te surpreendeu nessa adaptação?
Eu fiquei maravilhado com o resultado. A maior surpresa, dentre tantas maravilhosas, talvez seja a fidelidade à obra original.
10. Pensa em adaptar outras obras para o cinema?
Todas as portas estão abertas, muito embora jamais conceba um trabalho pensando em desdobramentos futuros, como pode ocorrer no caso de uma adaptação.
O filme Tungstênio tem produção da Paranoid, com coprodução da Globo Filmes e Canal Brasil, e distribuição da Pagu Pictures.