Além das Frases de Pára-Choques: À Beira do Caminho (Idem, 2012) de Breno Silveira
Breno Silveira é um vencedor. Antes diretor de fotografia e agora diretor de cinema, que consegue trabalhar com temas que podem ser facilmente vistos como armadilhas ao clichê, mas que se transformaram em resultados acima da média, sempre com uma forte carga emocional. Vejamos. Primeiro ele contou a história de uma dupla sertaneja, da pobreza ao sucesso (Dois Filhos de Francisco, de 2005). Depois veio com uma história de amor entre uma bela garota rica e um pobre menino da favela (Era Uma Vez…, de 2008). Duas ótimas fitas e sentimentalmente muito bem resolvidas.
“Quantas vezes eu pensei voltar
E dizer que o meu amor nada mudou
Mas o meu silêncio foi maior
E na distância morro
Todo dia sem você saber” (A Distância)
E agora… O que dizer de uma história inspirada tanto em músicas antigas de Roberto Carlos quanto em frases de pára-choques de caminhões?
O que poderia ser uma obra brega e meia, Silveira a transformou no seu melhor trabalho. O drama À Beira do Caminho (Idem, Brasil, 2012) é mais uma prova que o diretor sabe lidar com emoções sem cair na vala comum do sentimento de ‘oh, chore por minha triste história’.
“Das lembranças
Que eu trago na vida
Você é a saudade
Que eu gosto de ter
Só assim!
Sinto você bem perto de mim
Outra vez…” (Outra Vez)
Além do roteiro, a grande força do seu resultado final é o esmero na atuação da dupla João Miguel, o caminhoneiro calado e brutalizado pelo passado escuso, e seu companheiro acidental de estrada, e um garoto (Vinícius Nascimento), que após a morte da mãe fugiu do orfanato e busca chegar à São Paulo para conhecer o pai.
“Não preciso nem dizer
Tudo isso que eu lhe digo
Mas é muito bom saber
Que você é meu amigo” (Amigo)
Aliás, a trama dos caminhos cruzados de João, o caminhoneiro, e Duda, o garoto órfão, são muito bem exploradas, como uma relação necessária para os dois, de peso dramático necessário. Crescente, é verdade, assim como a trama avança com a função de tentar consertar os erros do passado. E Dira Paes, com pequeno, mas importante papel, mais uma vez impressiona, ao adicionar uma delicadeza essencial.
“Esqueça se ele não te ama
Esqueça se ele não te quer
Não chore mais não sofra assim
Porque posso te dar amor sem fim” (Esqueça)
A paisagem é bruta, como a história, mas vai aos poucos amaciando, exatamente como a transposição sentimental do longa. Some-se também o acerto da trilha incidental, claro, com as preciosas incursões de A Distância, Esqueça, Amigo, Outra Vez e O Portão, que fazem parte da própria história. A edição equilibra bem os flashbacks doídos e sua realidade refletida, e as divisões dos atos do filme em frases de caminhão só abrilhantam a obra de Breno Silveira.
“Eu voltei!
Agora prá ficar
Porque aqui!
Aqui é meu lugar
Eu voltei pr’as coisas
Que eu deixei
Eu voltei!…” (O Portão)
E sim, lembrei com carinho de um sentimento meio Central do Brasil (1998), tendo o cerne estrutural a amizade acidental entre seres abandonados pela vida. Mas nada de comparações. O maravilhoso À Beira do Caminho tem vida própria e é imperdível, capaz de provocar um choro legitimamente emocionante. NOTA: 9,0
INFORMAÇÕES ESPECIAIS
Filmografia selecionada do ator João Miguel: Cinema, Aspirinas e Urubus (2005); O Céu de Suely (2006); Estômago (2007); Xingu (2012); As músicas do Rei que inspiraram o filme: A Distância, Esqueça, Amigo, Outra Vez e O Portão;
Publicado originalmente em 21/08/2012, no O Povo.