Praia do Futuro (Idem, 2014) de Karim Ainouz
O filme: Donato (Wagner Moura) é um salva-vidas que trabalha na Praia do Futuro, em Fortaleza (CE). Depois de passar por um trauma emocional, conhece um motoqueiro alemão, Konrad (Clemens Schick), e parte em busca de uma nova vida na Alemanha. Oito anos depois, seu irmão Aírton (Jesuíta Barbosa), que o tinha como ícone, parte em busca de respostas.
Porque assistir: co-produção Brasil/Alemanha é um dos melhores filmes de 2014, a fita é dividido em três atos (“O abraço do afogado”; “Um herói partido ao meio”; “Um fantasma que fala alemão”). A obra mostra seus nuances em várias de suas sequências, que aparentemente são simples, mas que vão além do do que se vê quando percebidas dentro de sua trama.
O romance entre um bombeiro cearense e um motociclista alemão é a história principal, mas o amor homossexual está longe de ser o foco do filme. A profundidade dos personagens permitiu ao ator Wagner Moura viver o papel mais complexo de sua vida, como ele mesmo afirmou. Moura, por sinal, está magnético e constrói a personalidade do protagonista com um mundo de sentimentos que não cabem em palavras, mas ações. Donato é físico, e ele se comunica com suas ações: nadando, fazendo sexo e dançando. Ele não sabe o que responder. E precisa? Simplesmente existem perguntas que não têm respostas e o silêncio se faz presente.
Melhores momentos: a passagem de tempo é suave e estampada no bigode de Konrad, no novo visual de Donato e, claro, por fim no reaparecimento de Aírton, antes uma criança, e oito anos depois na pele do talentoso Jesuíta Barbosa. A sequência do reencontro é doído, refletido numa dramática cena entre o elevador e um corredor. Para ele, seu herói morreu e se transformou num covarde em fuga.
Outro grande destaque vai para a carta-final lida por Wagner Moura é uma poesia em forma de cinema.
Pontos fracos: Wagner Moura e Clemens Schick parece que não estão na mesma sintonia. Pior para o alemão, que congela em cena frente ao brasileiro. E a montagem escorrega em várias passagens da trama, e dá andamento irregular á obra.
Na prateleira da sua casa: autor de O Céu de Suely (2006), Madame Satã (2002), Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo (2009) e O Abismo Prateado (2011), o cearense Karim Ainouz é um cineasta de imensa capacidade em tecer narrativas emotivas. Com resultados afetivamente avassaladores, demonstra mais uma vez sua habilidade em costurar histórias sensíveis com os temas de abandono e um novo começo.
Karim Ainouz mantém o espectador encantado com seu olhar delicado sobre seus personagens e suas perspectivas, que incluem abandono e um novo começo, que deságua na fuga de um lugar à procura de si mesmo. Sua constante busca por adequação ao mundo e tranquilidade diária é uma busca constante feita de imagens e diálogos poéticos.
Drama sobre as escolhas da vida e longe ser um filme raso, não deve ser reduzido a uma fita de romance gay e, como observado antes, pode ser absorvido com uma leitura mais ampla. Indicado ao Urso de Ouro em Berlim, Praia do Futuro – já disponível em Blu-Ray e DVD (Califórnia Filmes) – reflete o seu autor ao apresentar sentimentos antagônicos, porém cinematograficamente reconfortantes, de resultado poético e que deixa seus personagens viverem para além da tela de cinema.