Épica Conclusão (e um olhar sob a trilogia)
Batman – O Cavaleiro das Trevas Ressurge (The Dark Knight Rises, 2012) de Christopher Nolan
A adaptação para o cinema do héroi dos quadrinhos Batman, de Bob Kane, nunca foi visto como fácil, nem tampouco conseguiu se tornar uma unanimidade em nenhum dos quatro filmes – de início promissor com Batman (1989) e depois tido como sombrio demais no espetacular Batman – O Retorno (1992) ambos de Tim Burton; ao exagerado Batman Eternamente (1995); e por fim o horror carnavalesco de Batman & Robin(1997) ambos de Joel Schumacher. Apesar de mais de 1 bilhão e 250 milhões de dólares acumulados na bilheteria, o fracasso artístico (e de certa forma com um público abaixo da expectativa) do último filme havia tornado a série uma piada, os filmes de super heróis reféns das indústrias de brinquedos e outros produtos licenciados. Além de formar um público mais jovem interessado apenas em efeitos especiais e nada de histórias mais complexas. Esse era o quadro nebuloso que o diretor, roteirista e produtor Christopher Nolan, até então desconhecido do grande público e com sucessivas produções densamente elaboradas, tinha pela frente ao encarar uma nova adaptação.
“Não é quem eu sou por dentro, mas o que eu faço que me define”(Batman Begins)
“Quando Gothan virar cinzas, você terá minha permissão para morrer” (Batman – O Cavaleiro das Trevas Ressurge)
E o reinício foi bem pensado, planejado e executado com primor. De produção classe A ao elenco competente, sem estrelas. Partindo do zero, Nolan nos entregou Batman Begins em 2005, uma obra irretocável sobre uma criança que aprende muito cedo o “porquê caímos?” com a resposta “para aprendermos a levantar”. Pode parecer simples, mas Bruce Wayne (Christian Bale) se torna Batman diante dos nossos olhos numa construção completa de personagem com todos as suas camadas. Estão lá seus medos (de morcego, do escuro), suas motivações (contra a violência, desigualdade e diferenças do mundo), treinamento intenso e a constituição de sua armadura e de todos os seus acessórios. Está tudo alí, justificado e plausível. Temos um herói de carne, osso, inteligência e muito, mas muito dinheiro. O que era desconfiança do público, com uma primeira semana de bilheteria boa, mas não extraordinária, se transformou em aplausos de crítica e público final excelente. O Cavaleiro das Trevas havia retornado de verdade.
“Ou se morre como herói, ou vive-se o bastante para tornar-se vilão”(Batman – O Cavaleiro das Trevas)
Assim o desafio aumentou e a Warner investiu pesado num novo capítulo para o morcegão. E sua melhor arma era dar à Nolan o total controle criativo de sua continuação, além da manuteção do elenco e equipe por trás do primeiro e notável capítulo. Batman – O Cavaleiro das Trevas (2008) trazia de volta às telas seu maior inimigo, o Coringa, numa escalação – à princípio questionável – de Heath Ledger. O ator morreria antes da estreia de sua maior atuação. Após o baque e a estreia, nascia naquele momento um clássico instantâneo que faz faz o cinema merecer o lastro da dita Sétima Arte. Mas foi além da crítica e foi abraçado pelo público que o transformou em uma das maiores bilheterias de todos os tempos. Apesar da pressão popular (e até do meio cinematográfico), a obra (prima) não conseguiu a indicação ao Oscar de melhor filme, mas deu ao seu vilão o (merecido) Oscar póstumo de ator coadjuvante.
“Quando Gothan virar cinzas, você terá minha permissão para morrer”(Batman – O Cavaleiro das Trevas Ressurge)
E esse caminho produzido, escrito e dirigido por Christopher Nolan nos trouxe até Batman – O Cavaleiro das Trevas Ressurge (The Dark Knight Rises, 2012), uma conclusão épica para a poderosa história de um herói que adotou as trevas e usou seus medos para lutar pela justiça e tornar um mundo melhor. Mas, apesar das palavras bonitas, não há nada de pieguice aqui. Se prepare para mergulhar em duas horas e 45 minutos tingidas de tensão, caos e trevas.
Após os fatos ocorridos ao final do capítulo anterior, Bruce Wayne (Christian Bale) está recluso e Batman, desaparecido, é um criminoso procurado pela polícia. Mas a sua volta se faz necessária, quando vem a público as ações criminosas proclamadas pelo arquiteto do mal que atende pelo nome de Bane (Tom Hardy). E a sua (espetacular) sequência de apresentação (num ato terrorista que envolve dois aviões, muitos mortos e uma grande sacada) deixa claro que o vilão não é apenas violentamente assustador, mas cima de tudo muito perspicaz.
Batman não terá de lutar apenas contra o gigante Bane, mas também contra o próprio sistema, sua saúde debilitada e os conselhos de Alfred (Michael Caine) – que insiste em pedir para desistir do heroísmo em prol da sua vida. Ao seu favor a própria força de vontade, o Comissário Gordon (Gary Oldman) e um jovem policial (Joseph Gordon-Levitt), orfão e com gana de justiça (caraterísticas iguais as de Batman/Bruce Wayne), além de uma uma ladra elasticamente ágil, Selina Kyle (Anna Hathaway), que vai de antagonista à improvável dupla. Na retaguarda, a inteligência e os serviços inventivos de Lucius Fox (Morgan Freeman) e uma bela empresária (Marion Cotillard), que parece ter mais que boa vontade pela causa humanitária.
A trama se intrinca com um jogo de poder e violência, a qual um exército de criminosos ditam as leis. O caos está instaurado. Nessa momento parece não haver saída em lugar nenhum. São várias as situações limite que colocam público e protagonista em completo desespero, e que, invariavelmente leva a pensar que não existe mais saída. É o fim. (Será?). Assim vemos uma cidade sob a custódia do medo, julgamentos (“morte ou exílio?”) comandados por uma figura conhecida, verdades reveladas em histórias do passado e tramas que se conectam perfeitamente com toda a trilogia. Ou seja, um roteiro que dialoga com sua história por completo, e nunca isolado.
E assim toda a ação favorece e faz sentido para a história. Sempre. Não há uma cena desperdiçada, uma sequência de ação e tampouco efeitos especiais que não seja engrenagem a favor da trama. Na verdade os efeitos pirotecnicos são mínimos, quase invisíveis, pois seu realizador investe pesadamente em confrontos físicos, batalhas campais (ressaltando o tom épico da obra) e perseguições possíveis. Sim! E o uso de câmeras de alta precisão técnica (+IMAX) fazem todo sentido.
Em meio ao clima de tensão ininterrupto temos sequências incríveis (como a armadilha para a polícia, a bomba num estádio lotado) com o ápice atingido na pulverização de pontos de Gothan, que vira farelo. E depois de encontros e desencontros com a Mulher-Gato (com um essencial uso de um baile de máscaras, usado por todos, exceto Bruce Wayne), temos finalmente um embate inesquecível entre Batman X Bane que dispara com toda a sua ferocidade: “não sou torturador do seu corpo, mas da sua alma”.
Claro, além do retorno dos personagens dos soberbos Michael Caine, Gary Oldman e Morgan Freeman (e algumas surpresas) temos novos rostos na trama: Tom Hardy, Anne Hathaway, Marion Cotillard, Joseph Gordon-Levitt e Matthew Modine. São muitos personagens, mas todos compoem bem a história orquestrada por Nolan, com algumas subtramas costuradas, porém que sempre fazem sentido para a história toda. E independente de serem discursos ou conselhos, Alfred/Michael Caine tem falas bem emocionais (e emocionantes!).
Acima da capacidade de Christian Bale de explorar dramaticamente a condição humana do herói ao expor sua saúde debilitada (mais especificamente em duas situações), o maior destaque vai novamente para o vilão. Tom Hardy, literalmente, destrói como Bane, com músculos ameaçadores, um olhar aterrorizante e a (impressionante) impostação de voz, mesmo abafada por uma máscara. (Alguém aí falou em Darth Vader?). Pois é. Méritos também para o diretor que o agigantou ao filmá-lo de baixo para cima e sem esquecer da composição visual perfeitamente crível (com tubos de oxigênio em volta da mascára). Nessa categoria entra também o figurino da Mulher-Gato, simples e bem composto, tanto para ação quanto para sedução (mas que jamais baterá Michelle Pfeiffer em Batman – O Retorno).
Tecnicamente o filme não poderia ser melhor. Além do roteiro e a condução brilhante de Nolan, que encerra a saga do homem morcego com glórias, há um indissociável fator para o sucesso: a trilha sonora composta (mais uma vez) por Hans Zimmer, que perpetua as ações da trilogia com uma sinfonia de zumbidos e tambores numa harmoniosa sensação que amplifica a tensão à níveis impiedosos.
A montagem dialoga com a tensão do roteiro e suas subtramas, pois enquanto acontece algo é impossível não pensar o que poderá estar acontecendo com outro personagem e suas respectivas situações. Já a fotografia é invariavelmente fria, com tons desbotados, mas que demonstram seu compromisso com o realismo, empregado em toda trilogia. Além da direção de arte & cenários e o design de produção, que evocam e aplicam a destruição com força máxima.
O que a trilogia O Poderoso Chefão (1972; 1974; 1990) significa para os filmes de máfia, a trilogia Batman de Christopher Nolan (2005; 2008; 2012) é para os filmes baseados em quadrinhos. Histórico e inesquecível. Me sinto honrado de ter conferido no cinema cada uma dessas magnifícas obras que tornam seus três filmes como uma inteira e única obra prima.
Ao fim de Batman – O Cavaleiro das Trevas Ressurge (e de sua trilogia perfeita), só restam lágrimas de felicidade. Lágrimas para um herói. O melhor filme do ano já estreou. NOTA: 10,0
INFORMAÇÕES ESPECIAIS:
A filmografia de Christopher Nolan: indicado ao Oscar e Globo de Ouro de melhor roteiro original por Amnésia (2000); indicado ao Oscar de melhor filme e roteiro original por A Origem (2010), também indicado ao indicado ao Oscar e Globo de Ouro de melhor, filme, direção e roteiro; Escreveu e dirigiu Following (1998); O Grande Truque (2006); Batman Begins (2005); e Batman – O Cavaleiro das Trevas (2008); Dirigiu Insônia (2002), produz e co-escreve o roteiro de Superman – O Homem de Aço (2013);
O elenco: Christian Bale ganhou o Oscar e o Globo de Ouro de coadjuvante por O Vencedor (2010); Gary Oldman indicado ao Oscar de ator por O Espião que Sabia Demais (2011); Anne Hathawayindicada ao Oscar e Globo de Ouro de atriz por O Casamento de Rachel(2009) e indicado ao Globo de Ouro de atriz (comédia ou musical) por Amor e Outras Drogas (201o); Tom Hardy venceu o prêmio de ator revelação no BAFTA em 2011. Atuou em Guerreiro (2011); Michael Caine venceu o Oscar de coadjuvante por Hannah e Suas Irmãs (1986) e Regras da Vida (1999); Morgan Freeman ganhou o Oscar de coadjuvante por Menina de Ouro (2004) e o Globo de Ouro de ator (drama) por Conduzindo Miss Daisy (1989); Marion Cotillard venceu o Oscar e Globo de Ouro de atriz por Piaf – Um Hino ao Amor (2007); Joseph Gordon-Levitt indicado ao Globo de Ouro de ator (comédia ou musical) por 50% (2011) e (500) Dias com Ela (2009); Matthew Modineindicado ao Globo de Ouro de ator (filme para TV) por E a Vida Continua (1993) e vencedor do Globo de Ouro especial por Short Cuts – Cenas da Vida (1993);