Um Herói (A Hero/Ghahreman, 2021) de Asghar Farhadi
Ao ver a palavra “Heroi”, em nossa atualidade, quase que somos levados automaticamente aos filmes e histórias de individualidades que realizam grandes feitos, que lutam por nobres causas e que possuem uma história de vida arrebatadora, na qual saem de um lugar difícil pelo chamado à aventura a acabam por superar todos os obstáculos que aparecem para ele, tendo, finalmente uma ascensão. Filmes de heróis geralmente se concentram na formação moral que eleva uma individualidade como forma de representar a materialidade ética dos valores de certa cultura. Porém, o novo filme do oscarizado Asghar Farhadi não segue esse padrão.
O filme conta a história de Rahim (Amir Jadidi), que está preso por causa de uma dívida com um antigo credor (Mohsen Tanabandeh) que não conseguiu pagar. Durante uma condicional de dois dias, sua namorada (Sahar Goldoost) encontra uma bolsa com ouro e, junto a ele tentam achar a dona, em vez de investir o achado no pagamento da dívida. Com a repercussão do caso, Rahim é elevado ao símbolo da moralidade e então, tanto ele quanto a sociedade tentam convencer seu credor a retirar a queixa, caso ele consiga pagar parte do que deve. Porém, as coisas não saem como planejadas.
A obra de Farhadi que estreou em Cannes, neste ano de 2022, possui um roteiro que pouco se concentra no dilema sobre o que fazer com o ouro achado. Não é neste conflito – muito típico da cultura de estrutura narrativa ocidental – que os dilemas de sua personagem vai orbitar. Também não possui um interesse em centralizar a ascensão de Rahim. De uma maneira muito justa, os elementos que atravessam a história, que a costuram e a dão textura, colocam em foco a questão da busca pela honra, o que é um fundamento para os heróis, mas que no caso do nosso não a possui – ou possui, mas não é reconhecida por seus semelhantes. Esta honra não é um objeto, mas um componente essencial para se viver naquela sociedade onde a moralidade é um elemento vertebral de sua estrutura. Por vezes, temos a percepção que a vida de Rahim tem tão poucas saídas quanto a de Jean Valjean no clássico Os Miseráveis, de Victor Hugo, e que pra ele, as brechas para recuperar sua liberdade e vida social são tão minúsculas que seria impossível acessá-las se não por jogos de cinturas e criatividade. Afinal, não é essa a vida da grande maioria dos povos do mundo?
A questão na obra de Farhadi é até onde nosso inflexível desejo por moralidade pode engessar novas oportunidades para uma pessoa? Acompanhamos através de sua brilhante direção temas afetivos que dão uma grande sofisticação a sua narrativa: vemos a esperança, as promessas, os conflitos pessoais, a ação das redes sociais na internet, a pequena corrupção, a burocracia do estado e suas nuances hobbesianas sendo enriquecidas por planos que ficam na tela na medida exata de tempo para nos proporcionar objetivamente as tensões da história juntamente a uma fotografia naturalista até mesmo para nos aproximar das sensações e do acontecimento pela qual passa nossa personagem. Somos apresentados a Rahim como um sujeito carismático e sorridente, saindo das sombras de uma prisão para a luz do dia e ganhando ares de liberdade. Passamos a acompanhar sua ascensão e, por fim, todo o tecido complexo que o rodeia, ditando o seu destino final, o que se torna impossível não nos conectarmos de algum modo com sua história. O Herói de Farhadi é apenas um recorte de seu próprio filme, que se faz como um retrato contemporâneo para qualquer sociedade que coloca a frente de sua complexidade uma inflexível visão moralista como coluna vertebral para sua estrutura.