Convenção das Bruxas (The Witches, 1990) de Nicolas Roeg
Baseado no clássico livro Roald Dahl, Convenção das Bruxas (The Witches, 1990) foi dirigido por Nicolas Roeg, o mesmo de Inverno de Sangue em Veneza (1973) e O Homem que Caiu na Terra (1976). Com cerca de 93% de aprovação no Rotten Tomatoes, o consenso dos críticos é de que a produção apresenta uma performance deliciosamente perversa de Anjelica Huston, e fantoches imaginativos de Jim Henson. O resultado é um filme sombrio e espirituoso de Nicolas Roeg, que captura o espírito da escrita de Roald Dahl, como poucas outras adaptações. A edição especial lançada em Blu-ray pela Classicline.
Na trama, acompanhamos Luke, um menino de 10 anos, que é levado à Inglaterra por sua avó Helga após a morte dos pais. Ao chegarem ao hotel, descobrem que uma estranha convenção acontece por ali. É um encontro de bruxas, no qual está se traçando planos para transformar todas as crianças do mundo em ratos. O pequeno Luke acaba sendo descoberto, e acaba sendo transformado em rato junto a outro menino, Bruno Jenkins. Mesmo nessa condição, o garoto resolve impedir – com a ajuda de sua avó e Bruno – que este plano diabólico seja colocado em prática, tentando fazer com que o feitiço vire contra as feiticeiras.
Com elementos de horror e aventura infanto-juvenil, a adaptação aplaudida pelos críticos é um cult movie que não foi bem de bilheteria quando estreou, mas foi abraçada pelo público em home vídeo, e se tornou ainda mais cultuado com o passar dos anos. É um filme que, ao mesmo tempo, assusta, diverte e fascina tanto adultos quanto crianças. Mais uma série de três coincidências mórbidas marcam a produção.
1) Foi a última adaptação de uma obra do autor, Roald Dahl, antes de sua morte, em 23 de novembro de 1990. Meses antes, o filme havia estreado em 25 de maio, na Inglaterra, enquanto os EUA receberam a obra em 24 de agosto. Chegaria aos cinemas do Brasil somente em 7 de dezembro do mesmo ano.
Roald Dahl
Escritor de sucesso, Dahl tem uma série de sucessos cinematográficos baseados em suas obras, como A Fantástica Fábrica de Chocolate (1971 e 2005); Matilda (1996); James e o Pêssego Gigante (1996); O Fantástico Sr. Raposo (2009); e O Bom Gigante Amigo (2016). Fora as adaptações, ele também assinou os roteiros de O Calhambeque Mágico (1968), fantasia da Disney; e Com 007 Só Se Vive Duas Vezes (1967), clássico da franquia de James Bond.
Publicado em 1983, Convenção das Bruxas foi filmado no final dos anos 80, com supervisão do seu autor, que parecia satisfeito com a transposição para tela grande. A adaptação do texto ficou a cargo de Allan Scott, roteirista que já havia colaborado com o diretor Nicolas Roeg (em Inverno de Sangue em Veneza, 1973; e Morte Dupla, 1995). Anos mais tarde, Scott viria a ganhar um Emmy com a minissérie O Gambito da Rainha (2020), da qual é criador, produtor executivo e roteirista.
Porém, durante a produção houve uma rusga entre o autor e o diretor da obra. Dahl ficou irritado porque Roeg havia aprovado a mudança do final original no roteiro, o deixando mais feliz. Antes do fim das filmagens, ao que parecia ser uma conciliação, o cineasta chegou a rodar duas versões: a versão do livro (em que Luke continua a ser um rato), e a versão feliz (na qual o garoto volta a ser humano). Seguro de que a cena leal a seu livro seria o final escolhido, Dahl ficou tão comovido que foi levado às lágrimas. Contudo, após as exibições teste da Warner em Los Angeles e Londres, Roeg decidiu ir para o corte final com o final alterado. Com isso, o que o autor chegou a exigir que seu nome fosse removido dos créditos, além de ameaçar uma campanha publicitária contra o filme. Por fim, a pedido do produtor executivo Jim Henson, Dahl foi convencido de que sua essência estava bem retratada na tela, e que o filme seria melhor recebido com a alteração final.
2) Este também foi o último filme no qual Jim Henson trabalhou antes de morrer, em 16 de maio de 1990. Notório por seu trabalho com criaturas animatrônicas, confecção e manipulação de bonecos, além de empregar o talento de sua companhia de efeitos visuais práticos ao filme, também foi produtor executivo de Convenção das Bruxas.
Jim Henson
Criador e manipulador/titereiro dos Muppets, Sam e seus Amigos, Vila Sésamo, A Rocha Encantada e Família Dinossauros, o artista Jim Henson levou seus carismáticos personagens dos palcos aos programas de TV (vencendo o Emmy), para também chegar ao cinema em uma série de filmes. Figura importante na produção com animatrônicos, assinou no cinema filmes importantes como os clássicos oitentistas O Cristal Encantado (1982) e Labirinto – A Magia do Tempo (1986). No começo da carreira, conseguiu uma indicação ao Oscar de melhor curta-metragem com Time Piece (1965).
3) A última curiosidade macabra, não é exatamente uma morte, mas também aponta para o fim de uma era. O filme seria distribuído pela companhia Lorimar, mas quando a empresa dissolveu sua operação de cinema, a produção acabou ficando na prateleira por mais de um ano após a conclusão das filmagens. Absorvida como subsidiária da Warner, Convenção das Bruxas foi distribuída pelo estúdio nos cinemas de forma mundial.
Lorimar
Criada em 1969 inicialmente para produzir filmes para a TV para o canal ABC, alcançaria grande sucesso com suas séries de TV, as quais se destacam: Os Waltons (1972-1981); Dallas (1978-1991); ThunderCats (1985-1989); ALF, o ETeimoso (1986-1990); Três é Demais (1987-1993); O Terror de Freddy Krueger (1988-1990); além da minissérie IT – Uma Obra Prima do Medo (1990).
No cinema a lista é bem interessante, e de vai de Fedora (1978) a Muito Além do Jardim (1979), nos anos 70; Passando por títulos diversos nos anos 80, como Agonia e Glória (1980), O Destino Bate à Sua Porta (1981), A Força do Destino (1982), A Hora da Zona Morta (1983), O Último Guerreiro das Estrelas (1984), Moonwalker (1988) e Marcados Pelo Ódio (1989).
Em 1988, Lorimar fez um acordo de distribuição com a Warner, o que viria a ser na verdade uma venda definitiva nos anos seguintes. Seu último filme para o cinema foi exatamente Convenção das Bruxas. E após seu fechamento definitivo em 1993, a maior parte do catálogo de filmes da Lorimar pertence a Warner Bros até hoje.
Outras Curiosidades
Fracasso de bilheteria
Com uma produção de média para modesta, utilizando efeitos práticos e uma maquiagem entre o convencional e o realístico, fato marcante até hoje na obra, Convenção das Bruxas custou apenas US $11 milhões de dólares. Considerado um fracasso de público, atingiu pouco mais de US $15 milhões em bilheteria mundial.
Após seu lançamento em home vídeo (em VHS e Laserdisc), foi um dos filmes mais vendidos em 1991. Sucesso de audiência em exibição na TV nos anos 90, e com ótimos números com seu DVD (de 1999 até hoje), o filme só coleciona fãs com o passar dos anos. No Brasil, foi considerado por especialistas um dos filmes essenciais de horror dos anos 90, na publicação O Melhor do Terror dos Anos 90 (Skript Editora, 2021).
Maquiagem especial
De uma hora para outra, Anjelica Huston vai da classe e sensualidade para um horror aterrorizante, cortesia de uma maquiagem especial que a transforma na Grande Bruxa. Mas para chegar até aquela figura ela demorava entre sete e oito horas para ficar pronta para as cenas, e cerca de cinco a seis para que tudo fosse completamente removido do seu corpo. As próteses incluíam uma máscara facial completa, uma corcunda, garras mecanizadas e uma clavícula rompida. O bônus, um grande focinho durante sua transformação em um camundongo.
Anjelica Huston
Anjelica Huston descreveu que em sua sequência de revelação, que passa por um monólogo, ela estava tão desconfortável e cansada de ser envolta em borracha sob luzes quentes por horas que as falas pararam de fazer sentido, e tudo o que ela queria era chorar. Mas nada disso aparenta ao público, que se choca com a sequência crucial da trama. Mesmo com todas essas dificuldades relatadas e apesar de já se terem passado vários anos desde a estreia do filme, a atriz vencedora do Oscar [Coadjuvante por A Honra do Poderoso Prizzi, 1985], continua considerando Eva Ernst, como o seu papel mais querido, pois acredita que “nada melhor do que fazer as crianças gritarem”.
Mr. Bean
Durante as filmagens, Rowan Atkinson – que ficou famoso no mundo inteiro com a criação de um personagem que se caracterizava por suas trapalhadas – causou uma calamidade nos SETs do filme. Em uma ação digna de Mr. Bean, o ator deixou as torneiras do banheiro do seu quarto abertas no meio da noite. O resultado foi uma inundação que destruiu grande parte do equipamento da equipe de produção que estava no andar de baixo.
Homens bruxos?
Sabemos que no encontro das bruxas todas tiram todos seus acessórios, como sapatos, luvas e perucas, porquê elas são carecas mesmo. Mas se você prestar atenção e pausar a imagem, verá alguns homens como figurantes no papel de bruxas. A explicação é muito simples: eles eram carecas de verdade, e assim economizava tempo e dinheiro com a maquiagem.
Autoreferência/Homenagem
Autor do livro Convenção das Bruxas, Roald Dahl também é autor de A Fantástica Fábrica de Chocolate, e em meio à bruxaria toda do filme, há uma pequena referência a esta obra incluída no filme. Na cena em que Luke está no topo de uma árvore, uma bruxa vem lhe oferecer uma barra de chocolate, numa sequência quase idêntica à que aparece em outra obra do escritor.
Fantoches de ratos
Jim Henson e seu estúdio de produção estiveram muito envolvidos na produção deste filme, desde as próteses até os fantoches de camundongos. Para este último, três bonecos de ratos distintos, de tamanhos variados, são usados para criar versões convincentes de Luke Eveshim e Bruno Jenkins.
As primeiras figuras foram dimensionadas para o tamanho de ratos reais; As segundas eram aproximadamente do tamanho de ratos grandes (um pouco maiores que adultos); E os terceiros eram do tamanho de fantoches de mão de humanos para uma melhor manipulação, semelhantes aos Muppets, mesmo que usados com moderação para close-ups.
Remake
Refilmado com direção de Robert Zemeckis (o mesmo da Trilogia De Volta para o Futuro), Convenção das Bruxas chegou aos cinemas em 2020 cheio de efeitos especiais. Mesmo com resultados artísticos inferiores ao original e clássico de 1990, a boa novidade é que o remake apresenta o final original escrito por Roald Dahl de volta.
Ficha Técnica
Convenção das Bruxas (The Witches, 1990) de Nicolas Roeg | Elenco: Anjelica Huston (Grande Bruxa/Eva Ernst); Jasen Fisher (Luke Eveshim); Mai Zetterling (Vovó Helga); Rowan Atkinson (Sr. Stringer); e Charlie Potter (Bruno Jenkins).
Prêmios (temporada 1990/1991)
– BAFTA Awards: Indicação de Melhor Maquiagem e Cabelo;
– Los Angeles Film Critics Association Awards: Melhor Atriz (Anjelica Huston);
– National Society of Film Critics Awards: Melhor Atriz (Anjelica Huston);
– Boston Society of Film Critics Awards: Melhor Atriz (Anjelica Huston);
– Fantasporto: indicado ao International Fantasy Film Award de Melhor Filme;
– Hugo Awards: nomeado como melhor apresentação dramática (Melhor Filme);
– Saturno (Academy of Science Fiction, Fantasy & Horror Films): 5 indicações (Melhor Atriz em Cinema – Anjelica Huston; Atriz Coadjuvante – Mai Zetterling; Revelação/Ator Jovem – Jasen Fisher; Melhor Trilha Sonora; e Melhor Maquiagem).