A Mulher que Fugiu/The Woman Who Ran (2022) de Hong Sang-soo
Um dos cineastas contemporâneos que mais admiro é o Sul Coreano Hong Sang-Soo. Suas obras aparentam ser “iguais”, pela forma que escolhe filmar sempre o cotidiano dos seus personagens. Sim, a uma óbvia semelhança entre as obras, entretanto seus longas estão em constante reinvenção, e seus textos e subtextos mais ricos. Em A Mulher que Fugiu, que lhe rendeu o prêmio de melhor direção (Urso de Prata) no Festival de Berlim em 2020, temos uma película exatamente sensível, talvez o auge de sua filmografia.
Gam-hee (Kim Min-hee), uma mulher que depois de viver cinco anos ininterruptos ao lado de seu marido, resolve visitar três amigas em Seul, enquanto seu esposo faz uma viagem de negócios. A cada encontro com suas amigas, uma conversa amigável sobre suas visões de vida.
Dirigido, roteirizado, produzido e editado por Hong Sang-soo, o cineasta demonstra total controle da narrativa que está contando. Aqui ele utiliza de uma abordagem mais linear, sem uso de capítulos ou histórias “espelhadas”, como em “Certo Agora, Errado Antes” (2015), por exemplo. Sua história baseia-se ainda mais no subtexto, que aborda temas como solidão, o feminino (e o feminismo), além das mais diferentes formas de enxergar a vida.
Visitamos primeiramente Young-soon (Young-hwa Seo), uma mulher que uma pequena fazenda perto de onde mora e vive com sua colega de quarto Young-ji (Eun-mi Lee). A segunda amiga é Su-young (Song Seon-mi), uma professora de pilates e professora de teatro e a terceira é Woo-jim (Sae-Byuk Kim), uma dona de cinema. A cada novo encontro, Gam-hee e suas amigas, em conversas aptamente triviais, conversam sobre visões de vidas, com uma grande complexidade.
É impressionante que em apenas 77 min o diretor aborde tantos temas em seu roteiro. Mas há dois pontos cruciais nesse texto que devem ser abordados: O primeiro é que tem personagens predominantemente mulheres. O segundo é que não há uma fuga (isso não é um spoiler). O que temos aqui é estudo, principalmente da personagem principal, que foge (inconsciente) ou o desejo por algo que não sabe ainda. O que poderia estar “estragando o longa”, na verdade é um explorar o potencial poético e sensível da obra.
A solidão permeia a vida daquelas personagens, mas que mesmo assim, de alguma forma encontraram a felicidade em suas vidas do jeito que a vivem, simplesmente. Gam-hee, em todos os encontros repete o que seu marido sempre diz: “Que pessoas apaixonadas devem permanecer juntas”, mas nem sempre ela sabe se realmente ama o marido. Nossa protagonista está em uma busca da felicidade sem saber ainda exatamente como, fato evidenciado ao sabermos que ela recentemente cortou o cabelo curto, o que aponta para uma mudança. Existe menção no longa até mesmo de uma mulher que realmente fugiu, contrastando com a vida de Gam-hee.
Hong Sang-soo utiliza da abordagem cotidiana e extremamente sutil para expor seus temas. No filme temos longas conversas, onde o diretor utiliza Zoom In, Zoom out e breves panorâmicas, com o intuito de adentrar no universo diegético dos personagens. Assim, demonstrar o psicológico desses em conversas que parecem banais, mas com subtexto riquíssimo que aborda formas de enxergar a vida, enquanto contemplamos o cotidiano.
Os homens que aparecem no longa, sintomaticamente sempre de costas, confrontam as personagens femininas. Primeiro, um homem que reclama dos gatos alimentados Young-soon e Young-ji, por prejudicar sua mulher alérgica a gatos e um poeta “stalker”, que discute com Su-young. Entretanto, as personagens são fortes e enfrentam esses homens egocêntricos (características de alguns longas do diretor). Mas Hong Sang-soo muitas vezes utiliza uma bela rima visual, em fazer nossa protagonista observar muitos desses eventos, por uma câmera de seguranças das casas, como se fosse voyeur, potencializado seu desejo reprimido. Rima temática que é brilhantemente utilizada em corte de uma montanha para uma grade apresentando a personagem Woo-jim. É brilhante a relação entre ela e nossa protagonista, em que amizade parece ser a mais antiga de todas e uma ser o espelho da outra. Genial é o movimento panorâmico dentro do cinema, a qual Gam-hee, assiste o mesmo longa, potencializando a mensagem existencialista do filme.
A Mulher que Fugiu talvez seja o filme mais delicado e difícil da filmografia de Hong Sang-soo. Não há respostas fáceis, mas sim perguntas e sensibilidade enquanto contemplamos o cotidiano de mulheres conversando e apresentando suas formas de ver a vida. Mas como é bom “fugir” para o universo proposto do diretor, que cada vez mais aprimora seu texto a cada longa.