Cora (2021) de Gustavo Rosa de Moura e Matias Mariani
A medida que assistia ao longa metragem mocumentário de Gustavo Rosa de Moura e Matias Mariani, eu me perguntava como as gerações no futura lidariam com as nossas imagens que estamos produzindo hoje. Acessar esse material produzido em nossa contemporaneidade desde quando a imagem audiovisual se tornou uma tecnologia de registro, e logo dados, que cooperam com nossa memória familiar seria acessar aos modos de subjetivação de nosso tempo, de nossa sociedade. Esse gatilho foi disparado pelo longa Cora (2021), co-produção Brasil e Dinamarca que faz sua estreia mundial no festival do Rio e entra no circuito cinematográfico a partir de 23 de dezembro de 2021.
O ano é 2064. Cora é uma dinamarquesa que encontra um documentário inacabado no qual Benjamim, seu pai brasileiro, tentava investigar, 50 anos antes, a história dos próprios pais dele: Teo, que morreu louco quando ele ainda era criança, e Elenir, uma mulher misteriosa de quem ele mal ouviu falar. Em sua investigação, Benjamin descobre que ambos fazem parte de um complexo quebra-cabeça familiar, cheio de traumas e tabus, no qual ele começa a se ver como uma das peças principais. O material presente no documentário de Benjamim é organizado e comentado por sua filha, Cora, na tentativa de compreender o passado perdido de sua família.
Apostando na estrutura narrativa de um mocumentário – uma ficção com linguagem de documentário – o filme busca aproximar a obra a um efeito de realidade que adentra ao mundo subjetivo do espectador. Um filme do futura que investiga a nossa contemporaneidade, por si só, é um plot que nos incita ao mistério. A investigação familiar nos conduz aos problemas comuns que temos em nossa família.
Mas à medida que o fio de Ariadne é puxado, percebemos o que aconteceu com nosso país a partir de características sutis daquele microcosmo familiar. Iniciando com a frase que diz que o material está corrompido, percebemos a justificativa que permite construir interpretações de que as falhas das filmagens funcionam como também se fazem como uma representação dos traumas e tabus que aquelas memórias sofreram e sofrem ainda. Assim como também se fazem como as brechas da própria memória, a imperfeição do registro do passado e as várias possibilidades de lê-lo. Essas estruturas estéticas propostas pelos diretores dão o toque e a expectativa do refinamento da obra. Porém, ela parece ter dificuldades para se desenvolver ao longo de sua narrativa.
O roteiro escrito pelos dois diretores aparece com um grande potencial. Assim como falei, ele se propõe como um fio de Ariadne, no qual ao ser puxado traz em si muitas revelações, problemas e situações com elementos que propõe reflexão sobre a atualidade brasileira, a atualidade subjetiva das relações sociais e familiares. A Loucura como herança sendo colocada em foco como um destino iminente devido as estruturas conservadoras que cercam as personagens. Esse mistério que o roteiro traz cria no espectador uma expectativa grandiosa. O problema é que se percebe que a falta de folego criativo para responder essas perguntas. Algumas brechas deixam de ser fechadas ou suas respostas não convencem, devido a um excesso de preocupação com a sutileza narrativa. Apesar disso, a escrita se esforça para colocar em evidência os problemas que são as construções dos laços de relações familiares, uma vez que este é um elemento fundamental para a discussão que os realizadores pretendem debater.
Essas propostas de elementos para o debate que Cora trazem são bem debatidos pela força da direção. Mas a mesma parece encontrar empecilhos na estrutura da história escrita e assim se repetir em alguns elementos visuais que emperram a evolução do filme. A impressão é que mesmo com as boas atuações do elenco, o filme perde uma excelente e criativa oportunidade de história para progredir no desenvolvimento narrativo que se conforma em ficar mais tempo no microcosmo familiar e ser pouco ousado em romper com a velha dicotomia entre interno e externo. Afinal, o tempo inteiro, as personagens estão mostrando traços que são comuns em muitas famílias brasileiras. Essa brecha política escapa à narrativa. Por isso, o filme se conforma em ficar naquele espaço tão tradicionalista.