The Beatles: Get Back (2021) de Peter Jackson
Uma coisa eu posso afirmar: The Beatles não somente mudaram para sempre a música. Eles mudaram o mundo! Musicalmente inventaram inúmeras coisas: álbuns conceituais (Sgt. Pepper´s Lonely Hearts Club Band, considerado até hoje o melhor da história), mudanças de velocidade, loopings e músicas ao contrário. Fora que foram artistas multimídias: Vídeo clipes, filmes e o impacto na TV (a apresentação deles no Ed. Sullivan Show é considerado um dos momentos altos para TV, tanto quanto a chegada do homem à lua ou a queda do muro de Berlim). Além de toda a efervescência dos anos 60. Isso que acabo de contar ao leitor é mais incrível quando sabemos que tudo aconteceu no período mais ou menos de 10 anos.
Os quatro garotos de Liverpool criaram a “beatlemania”, que explodiu ao redor do mundo. Entretanto, nem tudo foram flores. Depois da famosa comparação a de John Lennon com Jesus Cristo e outros conflitos e morte do empresário (o “pai da banda”), Brian Epstein. Em 66, o quarteto parou de se apresentar ao vivo e apenas se concentrou nos álbuns que fugiam completamente do que haviam tido feito até então: “Revolver”, “Sgt. Pepper´s Lonely Hearts Club Band”, “Magical Mystery Tour”, “White Album” e “Yellow Submarine”, marcando um período super criativo e de experimentações, mas onde a banda estava reclusa sem se apresentar ao público.
Até que em “Hey Jude”, primeira aparição na tv da banda desde 66, o quarteto resolveu que era a hora de voltar a falar diretamente com o público. E assim nasceu o Projeto Get Back. Que consistia na criação de novo álbum ao vivo, onde tudo seria gravado para um programa de TV e em um show ao vivo. Tudo isso em apenas duas semanas, pois Ringo Starr iria gravar um filme ao final desse período. As gravações começaram no dia 2 de janeiro de 1969, e terminariam nos dias 27 e 28, culminando com as apresentações. Bem, eu não preciso me esforçar muito porque o plano inicial não deu certo.
Primeiramente, é impressionante que o “The Beatles: Get Back”, esteja em no serviço de streaming da Disney +, pois como somos avisados a cada episódio (três ao todo com mais de 2h30min de duração), o material tem linguagem explícita, temas adultos e pessoas fumando, pedindo distinção do espectador. Além disso a série é dividida em três partes: dias 1-7; 8-16 e 11-22, não seguindo uma ordem cronológica já que, como já dito, o projeto não saiu como se esperava.
As gravações originais foram registradas por Michael Linsay-Hogg, que transformou o material gravado no filme que mostrava o fim da banda (Sim, em 1969 o quarteto acabava), chamado “Let it Be” (mesmo nome do álbum póstumo lançado em 1970). Porém, Peter Jackson utilizou todo o ouro gravado por Linsay-Hogg e criou uma homenagem ao legado da banda, para fãs e até mesmo quem somente conhece algumas músicas do Beatles.
Utilizando 60 horas de gravação de imagem, e 150 horas de áudio, o diretor vencedor do Oscar por O Senhor dos Anéis – O retorno do rei (2003) converteu tudo em quase oito horas de material para a minissérie. Peter Jackson utiliza fotos e licença poéticas, quando apenas ouvimos os áudios. Também temos que dar méritos a toda equipe de montagem composta por Graham Gilding, Peter Hollywood, Tony Lenny e Jabez Olssen, que jamais deixa o documentário maçante.
Se o realizador conseguiu transpôs as telonas a obra de J.R.R. Tolkien na Trilogia do Senhor do Anéis (esqueçamos a trilogia do Hobbit), revolucionando e criando a maior obra de fantasia da história do cinema, aqui Jackson mexe com outros “seres mitológicos”, porém humanizando tais figuras. No final, comprova e desconstrói até então alguns mitos que rodeiam a banda, como como funcionava o processo criativo, as intrigas, ou feridas ainda abertas, a união, e claro, conversas triviais. Tudo está registrado, com um ar de verdade de como nós estivéssemos lá. Como uma grande viagem no tempo até o mês de janeiro de 1969. Eu não me recordo de nenhum outro documentário (ou série documental) tão completa na História que tenha feito isso.
O episódio 1-7 abre com um breve resumo da história da banda, da criação até o projeto Get Back. John Lennon, Paul McCartney, George Harrison e Ringo Starr, são apresentados sem nenhuma máscara a nós. No “Twickenham Film Studio” (impróprio para gravar músicas devidas à acústica), o quarteto se reúne. Logo a timidez perante as câmeras desaparece, juntamente com o crescimento do desespero de não conseguirem cumprir o prazo.
Paul age como líder da banda, pois ele assume as rédeas do projeto. Isso faz que ele tenha uma intriga com George, incluindo conflitos que anos marcavam a relação dois. Aqui é o gancho para o segundo episódio.
Mas já nesse primeiro episódio vemos elementos que comprovam o talento quase mágico da banda. McCartney compõe a base da canção “Get Back” em 2 min (uma música que inicialmente seria uma crítica às pessoas contra o preconceito aos emigrantes). A primeira vez que todos ouvem “Let it Be” é tão mágico para a banda, quanto para nós.
Nesse episódio, os estúdios Twickenham, todo cinza, vai ganhando cor. E logo vemos a banda mostrar como é o seu processo criativo: como colaboram uns com os outros, porém com conflitos latentes, já que a banda não vivia um período assim desde de a morte de Epstein, alguém que os unisse e desse um norte. E Glyn Jones (responsável pela gravação do álbum) e Michael Linsay-Hogg, sentem essa magia e tensão constantemente.
Mas uma curiosidade e mito são destruídos por Jackson nesse documentário. A primeira é a ideia inicial, que seria fazer o show em um anfiteatro em Sabratha da Líbia (Os Beatles poderiam ter feito o “Live At Pompeii”, antes do Pink Flody”!) e o outro é Yoko Ono. Mesmo com incômodo de Paul em saber que John a escolheria e sairia da banda, jamais Yoko é vista por parte da banda como a culpada pelo fim do quarteto. Detalhe é que ela está presente em todos os dias das gravações. Isso é evidenciado por entrevista de duas fãs, e pelo próprio McCartney no decorrer de toda a série.
No episódio 8-16, depois de resolvido o conflito entre Paul e George, acompanhamos uma ligação entre McCartney e Lennon, que nos diz muitas das feridas e como é lidar com egos dos quatro maiores músicos do planeta. A banda se muda para “Apple Studios” (A Apple é selo criado pelo próprio Beatles para gerir a banda). E com a adesão Bill Preston, as canções vão ganhando forma e o clima fica mais amistoso entre todos.
Outra curiosidade que rege todo o documentário é a sua montagem precisa. A partir do segundo episódio, com o cancelamento da série de TV e outros conflitos que surgiram, como por exemplo, terá um show ou não, é que a montagem para de seguir uma linha de dias cronológicos, e de forma didática nesse sentido. Entretanto, isso jamais fere a inteligência do espectador, já que essas inserções são necessárias para entendermos todo aquele janeiro de 1969.
Já outra são as várias participações no documentário, como o ator Peter Sellers, Linda Eastman (que iria se casar com McCartney), a esposa de George, Pattie Bold (que na época era casada com Harrison, mas quem sabe um pouco da história do rock, sabe a obsessão que Eric Clapton tinha por ela, e conhece a canção “Layla”). Fora as inúmeras versões e músicas raras pré-Beatles tocadas na série. Destaque para versão hilária de John para “Help”. Outros músicos que comparecem são Chuck Berry, Bob Dylan, The Animals e até um supreendente solo do filme “O Terceiro Homem” de Carol Reed, entre muitas outras, em momentos de descontração.
No final do episódio, Paul diz que talvez esse seja o último álbum do The Beatles, e como não tinham onde fazer esse show. Até que a ideia de usar o terraço do próprio estúdio para a performance parece como uma saída genial para a banda. No terceiro episódio 17-22, seguimos a preparação da banda para as apresentações ao vivo.
Durantes os dias que antecedem o show, várias músicas gravadas no estúdio (sem efeitos, já que essa era proposta inicial desde o começo do projeto do dia 1), são as músicas que iremos ouvir na íntegra nos álbuns: Abbey Road e Let it Be. E Jackson faz questão de nos mostrar isso, como se dissesse: “Olha a raridade que eu encontrei”.
Mas é finalmente no clímax, no show do terraço (o lendário “Rooftop Concert”), e a tal última apresentação dos Beatles, que chegamos a um momento muito especial. Os olhares entre os integrantes e química da banda não faz parecer que eles estão a tanto tempo sem se apresentar, ou que tiveram alguma briga no passado. A montagem novamente brilha, pois divide a tela nas várias câmeras presentes na performance, dando espaço para a reação mista das pessoas que param nas ruas de Londres para acompanhar com surpresa o show. Alguns chamam até a polícia, que quase chega a prender os Beatles.
Sim, a última apresentação do The Beatles é mágica! E a maneira que Jackson termina a série, é da maneira mais genial e de forma de homenagem que o quarteto poderia ter.
The Beatles: Get Back é uma obra prima de Peter Jackson, igualmente como a sua Trilogia do Senhor dos Anéis (e não tenho medo algum de estar exagerando ao falar isso). Mesmo sabendo que as gravações que estamos vendo são os últimos momentos The Beatles juntos, e que gerou músicas tanto para o Abbey Road (1969) e Let it Be (1970). E como é bom assistir na íntegra a todo o lendário show do terraço (Rooftop Concert). Logo esse show, que seria a última apresentação deles ao vivo. E mesmo sabendo que o retorno na verdade era o começo do fim, não importa! Esse documentário é a melhor obra audiovisual de 2021, digno de todos os méritos e elogio. E como um fã confesso dos Beatles, eu só tenha a dizer: “Muito obrigado!”