King Richard – Criando Campeãs (King Richard, 2021) de Reinaldo Marcus Green
Não é segredo e nem muito difícil de perceber que no mundo dividido em classes sociais na qual uma democracia liberal que se empenha em dizer que todos podem alcançar o sucesso, o esporte e a cultura, principalmente as artes, sejam o caminho mais comum pelo qual povos oprimidos e marginalizados apostem suas esperanças e tracem seus caminhos. O cinema já se ocupou por diversas vezes em narrar histórias de superação, de atletas e times desacreditados que com disciplina, amor, dedicação e esperança por dias melhores alcançam o topo do mundo. Temos como exemplos o clássico Rocky: um lutador (1976), de John D. Avildsen; e Invictus (2009), de Clint Eastwood. Esses filmes mostram jornadas de personagens que estão afogados em uma situação ou atmosfera contrária a eles e narram seus desafios para chegar ao seu grande objetivo. O novo longa de Reinaldo Marcus Green, estrelado e produzido por Will Smith, traz a história baseada em fotos reais de um pai que planeja fazer de suas duas filhas as maiores tenistas do mundo. Detalhe é que suas filhas são negras. Uma história real que narra a ascensão de duas das maiores atletas de todos os tempos: Vênus e Serena Williams.
Richard Williams (Will Smith) é um negro que vive com sua família, esposa (Aunjanue Ellis) e cinco filhas, em Compton, na California, em um bairro pobre de moradores negros. Sob a atmosfera da criminalidade e a realidade política racista que assolam desde sempre os Estados Unidos da América, Richard, que trabalha como segurança a noite, se esforça para levar a frente seu planejamento de criar suas filhas e mantê-las distantes dos perigos e assédios dos criminosos do bairro onde vivem. Entre as cinco, duas possuem um talento assombroso para o Tênis: Venus (Sanyyia Sidney) e a mais nova, Serena (Demi Singleton). O objetivo de Richard é fazer dessas duas as maiores tenistas dos Estados Unidos. E para isso, as treina o tempo em que pode e sob as condições que der – o que causa problemas com seus vizinhos intrusos. É sob esta perspectiva que Richard busca um treinador que possa acompanhar suas filhas de graça e assim apostar em conseguir contratos para elas. Dessa forma se desenha King Richard – Criando Campeãs.
O filme de Green aposta na clássica estrutura de filme de superação, uma estratégia narrativa que se encaixa e dialoga bem com a jornada do herói. Sua direção se preocupa em deixar evidente a atmosfera política que cria as condições de vida daquela família marginalizada, que carrega na cor da pele o fardo que impede e atrasa a percepção de que ali se encontram pessoas geniais. Assim como o título do filme aponta, a linha condutora da obra é Richard, um negro pai de família, trabalhador, ex-atleta, homem de negócios que toca a vida em construir as condições para que suas filhas possam ter um desenvolvimento humano pleno e serem as maiores atletas do país. Sua luta e determinação englobam toda a narrativa que também nos atraem por se tratar de uma história que envolve diretamente duas personalidades do esporte mundial. Por vezes, percebe-se que a direção insiste em mostrar um Richard duro e fiel ao seu planejamento, tão fiel que cria uma rigidez no personagem que no terço final do filme acaba por se flexibilizar de maneira fácil e pouco desconstrutiva, o que faz sumir uma possível complexidade que enriqueceria o personagem.
Porém, a obra aposta em uma forma clássica de construir a história de superação muito tradicional na cultura estadunidense que dão valor de mito a personagens de sucesso daquele país. Histórias de homens do capital que saíram da pobreza e construíram um império não nasceu no cinema, mas o cinema daquele país busca explorar essas histórias criando atmosferas míticas que transformam certas práticas em disciplinas que constituem técnicas narrativas que afetam, seduzem e conquistam público. É a ideia de perseverança, esperança, insistência, confiança em si, disciplina e conhecimento que permitem a si mesmo produzir-se com um herói. E esta formula é quase que inesgotável.
Não quero aqui dizer que se trata de um filme ruim – pelo contrário, é um filme bem feito, bem dirigido, bem roteirizado – mas sim, apontar que King Richard faz parte de uma mesma estrutura narrativa que tenta seduzir as massas a acreditar no american dream, no qual o sucesso está ao alcance de todos aquele que buscarem com todas as forças por ele – o que já sabemos, não é bem assim.
Por isso, Green se preocupa em mostra toda a atmosfera de dificuldade, contorna os clichês do roteiro, usa muito bem a música como elemento narrativo importante para situar politicamente a época em que está sendo narrada a história. Ele obtém sucesso em afetar quem assiste, e isso é devido à ótima atuação do elenco, principalmente, de Will Smith, Aunjanue Ellis e de Jon Bernthal – que está excelente como o treinador Rick Macci. A química familiar causa uma comoção afetiva que dá todos os tons do filme e cria com sucesso uma aproximação e aceitação carismática entre a obra e o público, o que prova o talento da direção e da composição das personagens – por mais que muitas vezes nos lembremos de outro filme de Smith, À Procura da Felicidade (2007). Aceitamos, torcemos e, às vezes, nos irritamos com as decisões de alguns personagens, ou seja, ele brinca com nossos afetos mais familiares, o que nos faz ter a sensação de risco de falha eminente, muito bom para a fluidez e naturalidade da narrativa.
Dito isso, acredito que o filme se apresenta como uma obra capaz de cativar muitos com sua proposta narrativa tradicional e com uma qualidade de direção e atuações extremamente competentes em suas propostas. Mas ainda assim não conseguem superar a caixa conceitual em que a natureza da obra a enquadra: a de um filme de ideologia liberal que, apesar de toda a boa vontade dos artistas do projeto, ainda assim, narram feitos e constroem heróis que pouco representam a realidade política, mas sim um sonho que sempre foi o sonho de todas as populações marginalizadas e oprimidas pelo mesmo sistema.
Isso é bom? Isso é ruim? Depende da natureza crítica de quem assiste.