Já está rolando e vai até o dia 3, o 31° Cine Ceará – Festival Ibero-americano de Cinema em Fortaleza, em caráter híbrido (presencial/online). Desde o último sábado (27), A Mostra Competitiva Olhar do Ceará de curtas-metragens, disponibilizou 17 curtas, no canal do oficial do festival no Youtube, e logo tratei de devorá-los.
Abaixo seguem rápidos comentários e minhas impressões de todos 17curtas, que ainda estão disponíveis para serem assistidas no canal oficial do festival.
Vamos Lá:
A casa que eu vivo hoje não é mais minha Casa: Documentário: 4min. Fortaleza/Ceará. 2021
Direção: Direção: Lara Muniz e Marcus Antonius
Classificação Indicativa: Livre
Sinopse: A casa que eu vivo hoje não é casa. Quando perguntamos a 8 amigos sobre o que eles sentem quando pensam sobre o significado de Casa, o que podemos esperar, são sensações próximas? Ou opiniões distintas? Mais que isso, fazer imagens durante um isolamento que representam um universo expandido do nosso lugar mais íntimo. Imagens que fogem de casa para mostrar que Casa está além das quatros paredes físicas que nos isolam de outros mundos. O lar pode ser nossos corpos, o outro, o imaginário, a estrada, o mar, o sorriso de uma criança. Casa é onde nos sentimos bem.
Comentário: O pequeno documentário tem um caráter de vídeo ensaio. O conceito de casa, para os entrevistados, vai muito além de paredes. Representam suas vidas e suas percepções de ser e estar no mundo. Muito bem editado, com imagens de arquivos, que vão conectar todas as falas em fio narrativo poderoso. Um dos melhores da mostra.
Joelhos: Documentário: 15min. Juazeiro do Norte/Ceará. 2021
Direção: Yasmin Gomes
Classificação Indicativa: Livre
Sinopse: No interior do Ceará, uma casa colocada em aluguel abre um amálgama de memórias. O filme, que era para ser a despedida de um lar, torna-se um retrato de Dona Ivanilde, uma mulher preenchida pela emoção das impermanências e do tempo que foi e do que ficou.
Comentário: Um curta extremamente tocante entre a avó (Dona Ivanilde) e sua neta (Yasmin Gomes, diretora do curta). O que deveria ser uma despedida, por Dona Ivanilde possui uma artrose nos joelhos, o que causa muita dor. Se torna um curta sobre lembranças e uma verdadeira declaração pela vontade e direito de viver.
Memória da Memória: Documentário: 14min. Quixadá/Ceará. 2021
Direção: Idson Ricart
Classificação Indicativa: Livre
Sinopse: O artista Idson Ricart se deparou com várias fotos e fitas cassetes sendo descartadas no lixo e resolveu guardar algumas consigo. Os documentos eram parte de um mapeamento cultural realizado no município de Quixadá, Ceará (1993) pelo cantor e compositor Pingo de Fortaleza. Idson decide revisitar alguns desses personagens e contar um pouco sobre a história do mapeamento.
Comentário: Através de um mapeamento cultural de Quixadá. Idson Ricart, utiliza fotos e imagens de arquivos, além de entrevistas e discute o poder da importância da arte. Não somente para o município, mas para o Ceará e o espectador.
Curva Sinuosa: Ficção: 21min. Fortaleza/Ceará. 2021
Direção: Andréia Pires
Classificação Indicativa: 14 anos
Sinopse: Essa parte das coisas, indissociavelmente exposta em 2021 por Jéssica Teixeira, a qual, em sua coluna nomeada Almanaque dos ossos, entendeu que, quando Arquimedes corria e gritava nu na sua sala arredondada, a palavra EUREKA produzia algo equivalente a um buraco nos pulmões, um perigo no presente ou um surto na certeza. Essa visão das coisas, possivelmente não é partilhada por todas as pessoas do planeta. Enfim.
Comentário: O curta é uma performance teatral em constante mutação. Narrada por uma voz over e também pela atriz Jéssica Teixeira, nós assistimos uma pessoa se “despir” diante de nós. Falando sobre todas as vertentes, questões e poder da arte, do corpo, performance e outros elementos pessoais. Um dos melhores da mostra.
Arte na Palha: Documentário: 19min. Meruoca e Forquilha/Ceará. 2021
Direção: Augusto Cesar dos Santos
Classificação Indicativa: Livre
Sinopse: Num misto de arte e economia sustentável, chapeleiras do interior cearense produzem artesanatos com a palha da carnaúba e perpassam suas habilidades as novas gerações, fazendo de seus momentos de trabalho, uma troca contínua de experiências de vida e perpetuação de histórias e saberes de suas comunidades.
Comentário: O curta além de mostrar o dia-a-dia e o processo criativo das comunidades de Meruoca e Forquilha no interior do Ceará. O documentário foca na tradição vs. modernidade, pois cada vez mais, as pessoas que no passado utilizavam os chapéus de palha produzidos pelas comunidades. Hoje, pouco se importam. Um documentário, que no final, se torna uma denúncia.
Saudade dos Leões: Documentário: 19min. Fortaleza/Ceará. 2021
Direção: João Paulo Magalhães
Classificação Indicativa: Livre
Sinopse: Em meio a um cenário pandêmico, a cultura festiva de Fortaleza enfrenta obstáculos para se manter resplandecente, o que nos leva à Praça dos Leões. Como o Bar Cultural Lions está? Como lidar com a ausência de novas memórias? Como lidar com o silêncio? Saudades dos Leões é um documentário que busca invocar a memória desse espaço e resgatar momentos de alegria e de relevância cultural na vida de seu público, majoritariamente LGBTQI+. Além disso, fala sobre o seu silêncio e como a falta deste espaço simbólico pesa na história das pessoas.
Comentário: Em meio ao cenário pandêmico. o documentário relembra através de diversas entrevistas, a importância que o Bar Cultural Lions, tiveram em suas vidas e a ausência que local causa nos personagens. Evocando, lembranças, representatividade. O espaço é pensado tanto no passado, como no futuro.
Sebastiana: Animação: 14min. Fortaleza/Ceará. 2020
Direção: Cláudio Martins
Classificação Indicativa: Livre
Sinopse: Sebastiana nasceu com um dom especial. Nascida num pequeno e pobre vilarejo no interior do Brasil, onde a seca predomina, seu dom traz felicidades e farturas para muitos. Quando ela chora, chove e traz fartura e alegria para os agricultores. Mas quando ela cresce, seu dom acaba causando uma pressão muito grande para todos os moradores, trazendo muitos problemas para todos, inclusive para ela mesma. Quando ela chora muito, chove muito, e causa enchentes e prejuízos fazendo a cidade querer expulsá-la da cidade. Porém um fato inusitado muda completamente a situação.
Comentário: A animação além de ser belíssima e ser de caráter 2D/3D, trás uma discussão moral. O dom que Sebastiana tem é muitas vezes utilizado em benefício e malefícios para pobre vilarejo, o que faz nossa protagonista viver em constante conflito com as pessoas ao redor dela, o que nos faz nos perguntar: Uma criança merece tal tratamento e responsabilidade? O curta evoca temas familiares, amizade, bullying e superstição religiosa. Um dos melhores da mostra.
As aventuras de Ana e João: Animação: 7min. Meruoca/Ceará. 2021
Direção: Augusto Cesar dos Santos
Classificação Indicativa: Livre
Sinopse: Ana é surda e João é cego. As duas crianças têm dificuldade de acompanhar um mundo com pouca acessibilidade, mas com a ajuda de Tatá e Zezé, os heróis da inclusão, eles entram numa aventura de descobertas que mudarão suas vidas.
Comentário: Mas um curta do diretor Augusto Cesar dos Santos. Porém, aqui na animação, temos uma temática infantil, mas extremamente eficiente. Eles usam os personagens principais da história para mostrar o quanto a acessibilidade é importante e que ainda precisa continuar progredindo.
Ibiapaba, como nascem as montanhas: Animação: 14min. Tianguá/Ceará. 2021
Direção: George Alex Barbosa
Classificação Indicativa: Livre
Sinopse: O curumim Apuã completou 12 anos e agora tem sobre si a responsabilidade de salvar sua Tribo e mudar seu próprio destino.
Comentário: A animação em 3D, homenageia a tribo dos Tabajaras. A curta fala das lendas e folclore indígenas. E o personagem principal é nosso elo com essa cultura que está tão perto de nós, mas que muitas vezes desconhecemos. Destaque pela belíssima animação e pelos usos de símbolos que agregam a narrativa.
Corpas: Documentário: 23min. Fortaleza/Ceará. 2020
Direção: Arthur Almeida
Classificação Indicativa: 14 anos
Sinopse: Em Fortaleza, capital do segundo estado que mais mata transexuais no Brasil, um computador hackeado guarda arquivos de seis Corpas Vyvas e em constante processo de criação. Em meio às lembranças dolorosas do assassinato de Dandara Kettley, as artistas que compõem esse documentário conversam sobre o fazer artístico.
Comentário: Em um documentário que mescla o experimental com o clássico. O diretor Arthur Almeida, entrevista seis personagens, que falam de suas lembranças dolorosas, tanto como da autodescoberta, performance e processo criativo, medo e anseios da comunidade LGBTQ+. Entretanto, ao ínves de focar apenas nas dificuldades, Almeida subverte sua narrativa. Pessoas da comunidade LGBTQ+ não devem ser lembradas apenas quando sofrem preconceitos ou estão mortas, mas sim quando estão vivas! Merecem todo respeito e reconhecimento, que muitas vezes tanto a mídia mainstream ou locais undergrounds, não as valorizam. Dandara é homenageada para lembrar que toda a diversidade tem de ser respeitada enquanto essas pessoas que existem e lutam, vivem suas vidas e processos. Um dos melhores da mostra.
Muxarabi: Documentário: 19min. Fortaleza/Ceará. 2021
Direção: Natália Maia e Samuel Brasileiro
Classificação Indicativa: 10 anos
Sinopse: Em uma oficina metalúrgica no bairro Conjunto Palmeiras, em Fortaleza/CE, Eudes, O Bonitão, vive e trabalha como metalúrgico. Ele faz tudo: portas, janelas e grades. Durante sua rotina de trabalho, cria invenções e reflete sobre a vida.
Comentário: Enquanto acompanhamos o dia-a-dia do Sr. Eudes, “O Bonitão”, em sua metalúrgica, vivenciamos o seu trabalho que também é de inventor. Entretanto, o documentário foca também em suas memórias e um luto, que o personagem, apesar de sempre alegre, não superou.
Fôlego Vivo: Documentário experimental: 25min. Crato/Ceará. 2021
Direção: Associação dos Índios Cariris do Poço Dantas: Umari
Classificação Indicativa: Livre
Sinopse: Uma comunidade indígena do povo kariri, situada na Chapada do Araripe (zona rural do Crato/CE), reflete acerca da água: o mito indígena de recriação do mundo junto com as águas contra o mito desenvolvimentista capitalista de controle das águas e das corpas humanas e não-humanas que habitam o Rio São Francisco (Opará).
Comentário: Apesar de os realizadores afirmarem se tratar de um documentário experimental, na verdade ele tem uma estrutura bem clássica, que de forma alguma prejudica a mensagem. O curta é uma denúncia a como o povo Kariri, tem perdido ou melhor, sendo roubados, suas terras, tanto para o governo, quanto para iniciativa privada, sem poderem se defender. É choque, a situação da tribo e as consequências que eles sofrem por essa injustiça. Curta extremamente relevante, principalmente, como o atual governo, constantemente ataca os povos indígenas. Um dos melhores da mostra.
Estilhaços: Ficção:Horror/Fantasia. 15min. Fortaleza/Ceará. 2021
Direção: Gabriela Nogueira
Classificação Indicativa: 16 anos
Sinopse: Entre estilhaços que misturam realidade e fantasia, uma jovem artista plástica é assombrada por um coelho macabro. Sem conseguir sonhar, sem saber o que é verdade, sem saber se é coragem ou insanidade, “M” luta para impedir que seus pesadelos se tornem realidade.
Comentário: Apesar de ser um curta com horror psicológico de ótimo nível que evoca longas como: “Suspiria” (1977), “Poltergeist: O Fenômeno” (1982), Donnie Darko (2001) e “It: A Coisa” (2017), a diretora Gabriela Nogueira, comete um “deslize” em sua história. E dito no curta, que o coelho é marca a transição uma transição. Entretanto, essa informação é repetida diversas vezes, fazendo a narrativa perder força.
2020: Ficção Científica/ Sertãopunk: 22min. Fortaleza/Ceará. 2020
Direção: Oziel Herbert
Classificação Indicativa: Livre. Aviso: O curta pode provocar gatilhos em pessoas que sofrem de ataque de Epilepsia Fotossensível.
Sinopse: Uma série de escândalos e contradições jurídicas e políticas levam ao cancelamento das eleições e a instauração de um Regime Militar no Brasil. Diversas minorias passam a ser caçadas pelo governo. Mariana, 20, uma antiga líder da Resistência contra o Regime, é convidada por Otávio, 30, atual líder do movimento, a ajudar na construção de uma Máquina do Tempo para derrubar o Governo Militar. Durante viagens ao passado, ela se apaixona por Ifé, 19, que a distrai de sua missão.
Comentário: Digamos que essa é versão cearense do clássico curta “Lá Jetée” (1962), mas com uma alusão a política do nosso país. A história se passa em um futuro não muito distante, onde em 2020, não aceita fazer eleições e instaurar um golpe militar. O que leva nossa protagonista, filha de ex-militar, entrar em uma resistência e em 2028, tentar voltar no tempo, para impedir o golpe. As referências ao clássico curta francês de Chis Marker são gritantes, em narrativas e estética, que quase o torna um “plágio”. Entretanto, devido algumas mudanças e contexto para a realidade brasileira e o uso de símbolos, que torna a experiência, que já era extremamente bem executada, em uma narrativa que além de sua pertinente e poderosa, com belas surpresas e sentimento de esperança.
Entre o passado: Ficção: 18min. Fortaleza/Ceará. 2021
Direção: Larissa Estevam
Classificação Indicativa: 12 anos
Sinopse: A chegada inesperada de Conceição, no dia do velório de Dona Aparecida, gera desconforto nas pessoas presentes, principalmente em Anderson, neto da falecida. A partir desse reencontro de mãe e filho no velório, ambos revisitam o passado e a dor de mágoas antigas.
Comentário: Um curta que discute inúmeras questões se você não ler a sinopse, o espectador supõe inúmeras perguntas, por mais claras que elas possam ser. A um preconceito evidente por Conceição ser uma Mulher Trans e ter fugido e ser mal vista por todos, inclusive, Anderson. Porém, a dor e as lembranças unem os dois protagonistas, mesmo que ao final, o status quo permaneça. Um dos melhores da mostra.
Zé Tarcísio, Testemunha: Documentário. 26’. Fortaleza/Ceará. 2021
Direção: Delano Gurgel Queiroz
Classificação Indicativa: Livre
Sinopse: Aos 80 anos, Zé Tarcísio ainda se vê criança. Seus trabalhos, fortemente políticos, trazem o peso da denúncia do que os olhos do artista viram e, assim como suas obras, o fizeram de si, testemunha de seu tempo.
Comentário: No curta acompanhamos o artista plástico cearense, Zé Tarcísio, falar de sua carreira (passado e presente), suas obras e seu processo criativo. Artista que se orgulha de sempre ter sido alternativo e subversivo. Um documentário político, que além de desunharmos a vida do nosso protagonista, vemos as denúncias de suas obras no passado que ainda repercutem no presente.
Boi Coração: Documentário: 25min. Fortaleza/Ceará. 2020
Direção: Marcelo Alves e Angela Gurgel
Classificação Indicativa: Livre
Sinopse: O dia 6 de janeiro é uma data muito importante para uma pequena comunidade no interior do Ceará. Há mais de vinte anos, o fazendeiro e poeta Chico Emília comemora, em sua própria casa, junto com a comunidade, uma grande festa em homenagem ao Dia do Reis.
Comentário: Documentário extremamente intimista de uma comunidade que reúne as demais cidades próximas da região para celebrar os Dias dos Reis (referência aos três reis magos da Bíblia). Nosso protagonista, Chico Elília, nos explica toda a história do “Reizado”, que foi criada por seus mestres em 1930 e ele continua e teme que a festa do “Boi Coração”, não continue, apesar de confiar nas crianças do pequeno município de Boa Água no Interior do Ceará. É muito belo ver a união da comunidade, as tradições. Tudo registrado de forma magistral pelos seus realizadores. Um dos melhores da mostra.
Todos os curtas da Mostra Competitiva Olhar do Ceará, estarão disponíveis até dia 03/12 no canal oficial do Festival no Youtube. Além de passarem no Cinema do Dragão do Mar (Confira a Programação no site e redes sociais),além de alguns curtas também na TV aberta, na TVC (canal 5.1).