Alvorada de Anna Muylaert e Lô Politi (Festival É Tudo Verdade 2021)
Estreia brasileira do longa que compete no festival “É Tudo Verdade de 2021”, Alvorada dirigido por Anna Muylaert e Lô Politi (primeira parceria da dupla), vai muito além de nos transportar de volta a 2016 no processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff. A película é um retrato íntimo dos últimos meses da governanta enquanto mostra os bastidores do Palácio da Alvorada.
O longa, que se passa entre julho e setembro de 2016, mostra o cotidiano do Palácio da Alvorada e da presidenta Dilma Russeff desde o período que foi afastada do poder, seu impeachment e seus últimos dias na residência.
A abordagem de Muylaert e Politi é muito interessante. O ponto de vista do longa não é mostrar como os fatos se sucederam no processo que tirou a presidenta do poder. Filmes como O Processo ou Democracia em Vertigem tem essa função mais didática. Alvorada é um filme de bastidor que transforma o palácio, moradia da presidenta, em personagem e mostra o dia a dia como testemunha de um pesadelo.
Nas imagens de Cesar Charlone (e também de Politi), acompanhamos os corredores e cômodos do Palácio, seu funcionamento e como os funcionários trabalham, além do cotidiano da presidenta. É interessante ver como todos são afetados pelo processo que está acontecendo. Um clima de tensão a cada dia crescente. Podemos ver isso desde as reuniões da presidenta, como no dia a dia de cada departamento do palácio, desde a parte que cuida da política ao cotidiano da residência.
Obviamente, a grande personagem (que não gosta de ser vista assim) é Dilma. Muitas vezes incomodada com a câmera, vemos a luta nos seus últimos dias, enquanto se descontenta com as ações do governo interino (e ilegítimo), enquanto prepara sua defesa para o senado. A residência presidencial parece ser o último local que sobrou, onde ela tenta resistir ao pesadelo que vive.
Contudo, no meio de tantas reuniões com grupos em apoio a governo e entrevistas dada a inúmeros jornalistas, a dupla de diretoras consegue retirar da presidenta comentários sobre inúmeros temas que vão desde os privilégios da elite, História do Brasil e uma reflexão das origens e o conceito do que é o mal (inclusive que casa perfeitamente com o momento vivido pela protagonista do documentário). Nesses momentos íntimos, o documentário brilha mostrando o motivo que ainda leva a presidenta enfrentar esse processo que vive de cabeça erguida.
O terceiro ato abre com o momento de sua defesa. A sequência dela no Senado Federal é passada em televisores espalhados em toda a Alvorada, enquanto os funcionários vivem seu cotidiano. Escolha perfeita, pois mostra o último canto de resistência sendo consumido pelo impeachment.
O final é extremamente melancólico. O golpe está dado (e sim o filme frisa que vivemos um golpe, e aquele que vos escreve também acredita ser) e o palácio vai definhando em tristeza. Vemos o despedir de Dilma, e o que nos sobra é um silêncio da residência presidencial.
Ao final da jornada, Alvorada é um belo retrato íntimo dos últimos dias da primeira mulher presidenta reeleita em nosso país. Mesmo que a presidenta saia com a cabeça erguida da batalha, a melancolia que fica ao final do longa é bastante indigesta.