Com uma mistura de jazz, rock e irreverência, na esteira dos movimentos de contracultura da década de 60, o trio Os Mamíferos marcou época na cena musical capixaba, agregando compositores, cantores e artistas da vanguarda cultural daquele momento. Mas 50 anos após a formação do grupo, pouco se conhece sobre a banda e aquela cena cultural que culminou com o famigerado Guarapastock, ou Guaraparistock, o maior festival de música do Brasil até então, realizado em Guarapari (ES) em 1971, no auge da repressão da Ditadura Militar, e que terminou de forma tumultuada. O cineasta André Félix toma essas histórias como o ponto de partida de seu primeiro longa, DIANTE DOS MEUS OLHOS, que estreou no Festival Internacional do Uruguai, em abril, e no Festival Internacional de Curitiba (Olhar de Cinema), em junho, e segue carreira passando por Pirenópolis Doc e Festival de Cinema de Vitória, em setembro.
Para contar essa história a partir de um olhar não saudosista, André documentou os encontros com Afonso Abreu, Mario Ruy e Marco Antônio Grijó, os integrantes “oficiais” do grupo. Como a banda teve apenas quatro anos de duração, entre 66 e 70, e nunca lançou um álbum ou fez qualquer registro fonográfico oficial, o documentário se vale dos depoimentos dos músicos, imagens de arquivo, registros caseiros de ensaios e shows da época, além da criatividade do diretor.
– O que mais me chamou atenção na história não era o que a tornava grandiosa, mas a questão do fracasso deles. Eu acho que esse é o elemento político, exatamente no momento em que nos permitimos documentar o nosso fracasso. E mexer na história da música brasileira, que é, em todos os sentidos, nosso maior bem, falar da geração dos anos 60 e 70, me encantava. Eu acredito que, quando existe uma falha, é muito mais interessante documentar do que quando tem um sucesso – revela o diretor.
Em uma abordagem autoral, o filme apresenta os personagens, seus corpos já idosos, aparentemente em rotinas diárias e banais, criando um jogo entre a ilusão da imagem e aquilo que vemos, o que estaria diante dos nossos olhos. Questiona, assim, também a mitologia que se criou ao redor da banda com o passar dos anos e o aparente anonimato.
– A potência do filme pra mim não está em se a história foi ou não foi; se o Toni Tornado pulou em cima da garota ou não; se o Ney Matogrosso pintou a cara por influência deles ou não. Mas o que esse lance todo fez no corpo desses caras. E é por isso que o filme é “Diante dos meus olhos”, porque essa frase é talvez uma das mais conhecidas frases do Godard, que está no Salve-se quem puder (a vida): “Eu ainda não posso morrer, porque o filme da minha vida não passou diante dos meus olhos” – reflete o diretor.
Fãs do poeta Allen Ginsberg e do movimento beat americano, do escritor Aldous Huxley e do intelectual Marshall McLuhan, Os Mamíferos levavam aos palcos uma performance insana, psicodélica, com rostos pintados e maquiagem carregada. “Em suas várias e diversas manifestações, em diferentes linguagens, atividades e setores da vida, a contracultura chegou aos holofotes em 1968, com seus ‘maios’ e suas ‘primaveras’, mas o fato é que suas bases já vinham sendo fomentadas desde muito antes. Em 1966, Os Mamíferos já estavam bem atentos a todo este “zeitgeist”. Como eles, toda uma rede de artistas e pensadores capixabas buscavam traduzir em âmbito local as urgências que agitavam as transformações em curso. Eles produziram em alta voltagem um conjunto de canções absolutamente ‘à altura do presente’, junto com figuras que foram se aproximando em torno do grupo por magnetismo ou afinidade eletiva, caso do cantor Aprígio Lyrio, dos compositores Sérgio Regis e Rogério Coimbra, e do músico e compositor Arlindo Castro, por exemplo”, conta o também músico e um dos produtores do filme, Carlos Dalla.
Antes de entrar em circuito comercial no primeiro semestre de 2019, DIANTE DOS MEUS OLHOS será exibido no dia 5 de setembro na mostra competitiva do Pirenópolis Doc, em Goiás. E no dia 8 de setembro o filme terá uma estreia especial em casa, na programação da mostra competitiva do 25º Festival de Cinema de Vitória.
Sinopse
O que é fazer parte de uma banda de rock? Ou ainda, mais especificamente: o que é ter feito parte de uma banda de rock, quase 50 anos depois disso ter acontecido? O cineasta André Felix reencontra os integrantes de Os Mamíferos, banda seminal da cena musical de Vitória. Esse reencontro é mais do que a chance de passar a limpo uma trajetória pouco lembrada fora da sua cidade (ou mesmo lá): é também uma tentativa de um cineasta contemporâneo encontrar pela inventividade do cinema o gesto criador dos seus personagens.
Projeto Aurora Gordon
Desde 2005, o projeto Aurora Gordon dedica-se a inserir no imaginário contemporâneo a pesquisa que realiza sobre a contracultura capixaba das décadas de 60 e 70. Faz isso a partir de um trabalho de investigação e criação em diferentes meios, envolvendo as linguagens da música, do cinema e da literatura, em suas relações com a dimensão do patrimônio, da antropologia e da arte. A banda “Os Mamíferos” é o eixo de atenção sobre o qual orbitam personagens e histórias que fizeram a vida cultural da cidade de Vitória pulsar em um dos períodos mais importantes e decisivos do século XX.
Até o momento, o projeto realizou a produção de dois álbuns musicais com releituras de composições inéditas ligadas à referida cena; um livro biográfico sobre a banda Os Mamíferos; e o longa-documentário “Diante dos meus olhos”, também ligado à banda.
Empresas produtoras
A Clareia Produtora é uma empresa voltada para a realização de projetos autorais e consultoria nas áreas de música, cinema, culturas populares, artes cênicas e visuais.
A Serena é uma plataforma que opera no mercado da Música desde 2015 oferecendo serviços nas áreas de Produção, Planejamento e Conteúdo.
A Pique-Bandeira Filmes é uma produtora e distribuidora fundada em 2010 pelos cineastas Igor Pontini, Rodrigo de Oliveira e Vitor Graize.
Ficha Técnica:
Direção E Roteiro: André Félix | Produção e Produção Executiva: Carlos Dalla, Murilo Abreu, Vitor Graize e André Félix | Direção de Fotografia: William Sossai | Montagem: Luiz Pretti | Som Direto e Edição de Som: Hugo Reis | Elenco principal: Afonso Abreu, Marco Antônio Grijó e Mario Ruy | Empresas produtoras: Clareia, Pique-Bandeira Filmes e Serena | Distribuição: Pique-Bandeira Filmes | Duração: 83 minutos | Gênero: Documentário | Ano: 2018 | Classificação Indicativa: a definir