Brasília, 18 de setembro de 2017*
“Pendular” de Júlia Murat: Um jovem casal (Raquel Karro e Rodrigo Bolzan) se muda para um grande galpão industrial abandonado. Uma fita laranja colada no chão divide o espaço em duas partes: à direita, o ateliê de escultura dele e, à esquerda, o estúdio de dança dela.
Tudo começa com uma demarcação de território, uma divisão de um espaço em dois. Um galpão abriga o casal, ele artista plástico, ela dançarina. O olhar é na construção artística do casal, na problematização de desejos e espaço, mas entrelaçado de um amor que transborda no sexo entre os dois, vivo na tela. E que passa do lindo, ao apaixonado, do intenso ao desejo, e que culmina com uma explosiva inversão de papéis sexuais entre homem e mulher.
Em uma crescente asfixia, a trama nos deixa com o olhar preso dentro de uma espaço físico (o galpão), enquanto os anseios de um personagem vai esmagando os sonhos do outro. Ele quer mais espaço para criar suas peças de arte, e a cada vez que o filme avança, temos Ela com menos liberdade, e menos espaço para se expressar com o corpo na diminuição do estúdio.
Ele quer ter um filho, mas será que Ela quer? Será que não vai atrapalhar a sua carreira? O resultante de pretensões opostas é que a arte dele nasce triste, enquanto a dança dela cada vez é mais intensa, e sua arte corporal estar muita mais viva e presente a cada sequência. Existe até uma conexão com o ato de estar equilibrada por um cabo de aço – o de se equilibrar na situação, e que de forma literal, Ela insiste em perseguir o caminho de um cabo fincado no meio da sua casa/galpão, e que vai dar no meio da rua. Talvez procurando uma saída?
E como é exatamente intensa, profunda e poderosa a interpretação de Raquel Karro (vinda apenas de uma ponta em Meu Amigo Hindu, 2015). O filme é dela, e até aqui é a favorita ao prêmio de melhor atriz do Festival de Brasília (Mostra Competitiva). Seu corpo pulsa junto com a sua personagem, à procura de superfície, do seu espaço, da sua arte. Sua atuação atinge um nível arrebatador quando se entrega à uma dança que é pura catarse.
E se na tela acompanhamos a arte de um casal, fora da tela a relação também se equivale. A diretora, Júlia Murat, também assina o roteiro, e ao lado do esposo, Matias Mariani, elevando a relação de amor & arte de fora para dentro de sua obra de forma sensível, e crível. Senti apenas um pouco esticado demais a duração do drama, com quatro atos, ao invés de três.
Boa surpresa, “Pendular” tem uma sequência primordial que precisa ser citada, sem revelar tanto. Ela se vê sem espaço algum, o roteiro à presenteia com uma saída, onde as artes d’Ele e d’Ela se encontram, e ela sobe sobre a tal obra artística, mas ainda assim, como diz o aviso: “sustenta apenas uma pessoa”.
* Jornalista viajou à convite do Festival.