*Rodrigo Franklin de Sousa
Há quem assista o Oscar pensando que se trata de uma celebração que objetivamente premia os melhores profissionais da indústria cinematográfica. A festa do Oscar representa muito mais que isso. Trata-se de um fenômeno social, político e econômico. Um evento que movimenta milhões, que determina o rumo de carreiras, empresas e de toda uma indústria. É também algo que potencialmente mobiliza e molda a sociedade de diversas formas. Sendo assim, é de se esperar que o processo de escolha dos vencedores também seja complexo e seja um lugar onde se entrecruzam muitos fatores.
A vitória de “Spotlight: Segredos Revelados” causou surpresa e espanto em muitos. O filme roubou a estatueta de seus maiores rivais, os dois favoritos da noite. Cinematicamente, ele não possui a grandiosidade pretensiosa de O Regresso, nem a exuberância visual e narrativa de Mad Max. E como o cinema é uma forma de contar uma história por meio de imagens e sons, podemos dizer que, do ponto de vista formal, trata-se de um filme bem menos “cinemático”. Isto não implica que o filme é ruim. Pelo contrário, é um filme extremamente bem escrito e realizado, além de conter atuações memoráveis. Mesmo assim, não apresenta as mesmas qualidades cinematográficas marcantes de outros grandes filmes do ano.
Existem filmes que chamam a atenção não necessariamente por suas qualidades técnicas ou por sua “cinematicidade”, mas pela importância dos temas que traz à tona, ou pelas discussões que tem o potencial de gerar. Este é o caso de Spotlight. Ao contar a história de como um grupo de jornalistas do jornal The Boston Globe desmascarou os abusos sexuais praticados por clérigos da diocese de Boston contra menores, o filme traz à tona um tema que deve ser exposto e ainda precisa ser discutido. Trata-se de um dos mais importantes escândalos religiosos das últimas décadas, e possivelmente um dos eventos de maior impacto nos rumos contemporâneos da relação entre a sociedade e a Igreja Católica, e a religião em geral.
Não sabemos ao certo a lógica da escolha desse filme, mas é possível especular que, pelo menos em algum nível, interesses políticos tenham prevalecido, e que pelo menos parte da razão de sua vitória seja explicado por um desejo de fazer com que sua visibilidade aumente e assim a discussão proposta seja revivida e se mantenha presente.
A questão da validade dos critérios de seleção do Oscar deve continuar, e o potencial de sua manipulação pelos mais diversos pode ser questionada. Mas nesse caso, pelo menos, é preciso reconhecer que a “interferência” teve seus méritos e aspectos positivos.
*Rodrigo Franklin de Sousa é Doutor em Letras pela Universidade de Cambridge (Reino Unido) e Professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie.