M. Night Shyamalan. Eu fui um dos poucos no mundo que o defendi em A Dama na Água (Lady in the Water), ao publicar um texto no Guia Vida & Arte do jornal O Povo, lá atrás em 08/09/2006.
“A Dama na Água é tão diferente quanto igual aos anteriores. De diferente percebe-se o tema, de uma mitologia tão irreal como qualquer outra. De igual percebemos temas subjetivos (alguns até demais), sustos e seu clima de mistério. Mas ao final, tudo que ele pede é que se escute sua voz interior e acredite o que está na tela. Afinal, o cinema ainda é um lugar mágico.”
Diretor e roteirista com tino para finais com grande surpresas, ele vinha de sucessos consecutivos – O Sexto Sentido (1999) – indicado ao Oscar de filme e roteiro, Corpo Fechado (2000), Sinais (2002) e A Vila (2004) – mas já não encantava mais a crítica. A mim, sim.
Mas depois veio a queda. Fim dos Tempos (2008) se sustenta apenas 20 minutos. A adaptação da animação O Último Mestre do Ar (2010) – onde ele dirige um roteiro não original – é pura perda de tempo. Depois da Terra (2013), baseado em uma história original de Will Smith, é uma sessão da tarde insossa.
Hora de mudar. A saída foi voltar pequeno. Com uma história original, elenco desconhecido, um final com uma viradinha e a câmera na mão, A Visita (2015) foi uma aterrorizante redenção de Shyamalan.
Agora, Shyamalan volta a pensar grande, ao apresentar o suspense psicológico Fragmentado (Split, 2017), onde destila passado, presente e futuro. E saiba, quanto menos se falar desse filme, melhor sua apreciação.
A trama – aparentemente simples – foca em um homem com 23 personalidades distintas (James McAvoy), e que consegue alterná-las quimicamente em seu organismo apenas com a força do pensamento, enquanto sua psicóloga (Betty Buckley), tenta controlá-lo. Um dia, ele sequestra três adolescentes que encontra em um estacionamento. Vivendo em cativeiro, elas passam a conhecer as diferentes facetas de Kevin e precisam encontrar algum meio de escapar.
A trilha sonora é minimalista, mas espetacular em seus acordes. A fotografia é maravilhosa, funcionando em cores diferentes-personagens e iluminação, e até o perfeito posicionamento de câmeras (por exemplo, quando a criança Hedwig aparece, vimos o foco de cima para baixo) e montagem (lembrando dos flashbacks, totalmente funcionais à trama).
Grande ponto para o funcionamento do filme, é a atuação de James McAvoy. Seja com seus óculos e roupa alinhada. De encharpe e salto alto. Um estilista, um professor de história… Um garoto com seu agasalho e o etcetera ao final. A horda. Da postura à forma de falar. Ele se torna a tela e na trama uma força tão imprevisível quanto a tal besta clamada por seus personagens.
E quando as lembranças de uma incrível Anya Taylor-Joy (A Bruxa, 2016) batem em sua mente enquanto seu sequestrador não está presente, a trama ganha contornos ainda mais densos. Como é difícil apagar um peso na consciência de um passado tão doloroso, não é mesmo? Aparentemente, até mais angustiante que enfrentar a Besta, mas ainda assim válida, pois essa experiência pesada também a prepara para tal confronto.
Além desse passado – retratado no filme, o diretor e roteirista também não esquece de brincar com o seu próprio passado (cinematográfico), ao incluir uma grande surpresa ao final do imperdível Fragmentado. Sua sábia decisão doura o presente, e já vislumbra um futuro aterrorizante pela frente. Sim, M. Night Shyamalan mostra que sua técnica cinematográfica continua inquebrável, e promete muita mágica nos próximos anos. Pois como escrevi anteriormente, afinal, o cinema ainda é um lugar mágico.